À primeira vista, poderíamos estar perante mais um volume da colecção Preto, Branco & Sangue, dedicada a apresentar alguns dos mais letais super-heróis em contos com uma paleta cromática reduzida. Puro engano. Apesar das cores usadas em “Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos” (A Seita/ Comic Heart, 2021) serem as mesmas da colecção com o selo da G. Floy, não há aqui litrosas de sangue a correr, apesar da tensão existente entre Tomás e Elsa, um casal em crise que está no centro desta história que conta com argumento de Pedro Brito e ilustrações de João Fazenda.
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Considerado um dos grandes romances gráficos da BD portuguesa, levou para casa os prémios de Melhor Álbum Português e Prémio do Público, no Amadora BD de 2001, e foi também considerado o Livro do ano 2000 em BD pelo Diário de Notícias. Esta nova edição em capa dura, resultado de uma parceria – mais uma – entre as editoras A Seita e Comic Heart, pode ser considerada uma edição de coleccionador onde, à história original, se juntaram vários extras: uma entrevista de André Oliveira aos autores, 20 anos depois da publicação original; esboços e processos de trabalho; estudos de composição; o mapa para a criação de uma página; e, a fechar, um epílogo assinado por Pedro Moura.
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Ao contrário dos “artigozecos” que vai escrevendo para pagar as contas, Tomás anda às voltas com um projecto pessoal: uma história de BD. Elsa, a esposa que mostra ter problemas na gestão da raiva, faz parte do mundo da arte pretensiosa, olhando para a BD como um género menor – terá sido inspirada, de forma futurista, em Clara Ferreira Alves?: “Não é literatura, com aquela linguagem infantil que nunca nos prende a leitura. E, graficamente, fica muito longe da pintura ou de qualquer outra representação gráfica”. Além disso, acredita tanto no marido como um ateu na vida depois da morte: “O problema é teres medo de evoluir. Falta-te garra! Isso nota-se, tanto no teu trabalho como na nossa relação. E entre nós não há nada de novo”.
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No meio desta crise aguda, Tomás acaba por comprar uma daquelas “plantas estranhas que não têm qualquer tipo de utilidade”, e que estranhamente se irá transformar na tão desejada musa, abrindo caminho para uma radiografia a uma relação em frangalhos.
Nesta história de desamor e ruptura, as ilustrações de João Fazenda são uma dança a várias velocidades, capazes de nos agarrar para uma valsa, um tango ou uma rumba, dependendo se entramos na cabeça de Tomás, enquanto se dedica a escrevinhar os seus sonhos, ou na de Elsa, quando perdida no mundo artístico e quase sempre em modo velocidade furiosa. A ser um poema, esta história seria sem dúvida uma versão indie de A Pedra Filosofal de António Gedeão.
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