Stefan Zweig nasceu a 28 de novembro de 1881, em Viena, e é um dos mais importantes autores europeus da primeira metade do século XX. Um autor que, qual escritor dos sete ofícios, se dedicou a quase todas as atividades literárias: foi poeta, ensaísta, dramaturgo, novelista, contista, historiador e biógrafo. Desta sua última faceta encontramos, entre outros títulos, “Triunfo e Tragédia de Erasmo de Roterdão” (Assírio & Alvim, 2020), um livro-homenagem a “esse grande esquecido”, como o apresenta Zweig ao leitor, falando dele como “a maior e mais deslumbrante celebridade do seu século”.
Apesar do seu declarado amor a Erasmo, Zweig não se deixa ficar pelo elogio, mostrando também a o lado menos activo deste idealista que, segundo Zweig, poderia ter impedido a sublevação de Martinho Lutero.
Avesso ao fanatismo, que foi sempre o seu maior ódio até ao último suspiro, Erasmo definiu desde cedo a sua missão: “Conciliar harmoniosamente os contrastes do espírito humano”. Um idealista que acreditava que a civilização seria capaz de melhorar os homens, e que esperava que o estudo, as belas-artes, a ciência e a cultura desenvolvessem as faculdades morais. Não apenas do indivíduo como também a dos povos.
Criança ilegítima, filho de um padre, Erasmo nasceu em 1466. Foi ordenado sacerdote em 1492, apesar de estar mais virado para as belas-artes, a literatura latina e a pintura. Como traço mais característico da sua personalidade, esteve sempre a ideia de não se ligar permanentemente a nada ou a ninguém – um pouco como o De Niro do “Heat” -, e a defesa da independência sem mostrar rebeldia ou desejos de revolução – Ghandi style.
Herdou os hábiotos aristocráticos da nobreza inglesa e, como cosmopolita e aristocrata, passou ao lado do essencial de cada país nas suas muitas viagens. Na arte, muitos foram os que quiseram pintar o retrato deste homem universal, como Hans Holbein ou Albrecht Durer, talvez por fisicamente a natureza o ter dotado, segundo Zweig, de “uma fraca dose de vitalidade e de vigor: um pequeno corpo, franzino, encimado por uma cabeça estreita, em vez de um corpo rijo, são e resistente”, um oposto perfeito ao seu superior intelecto.
Erasmo envergonhava-se e assumia a sua falta de coragem, de predisposição para a acção, mas teve sempre presente a escala de valores de Platão: o amor pela justiça e o espírito da tolerância. Uma fonte de luz que sempre quis permanecer na sombra e que tinha a arte de apaziguar os extremos – mesmo o da sua própria pessoa -, isento de ilusões e que nunca mostrou ter grandes paixões na vida.
Stefan Zweig destaca “O Elogio da Loucura”, um livro tremendamente radical e crítico para com a Igreja, que acabou por ser visto como um acto de ficção devido ao grande jogo de cintura de Erasmo, que colocou na bocas dos loucos e inimputáveis palavras que eram suas. Quanto ao Humanismo de Erasmo, Zweig critica o seu simplismo e uma divisão falsamente compartimentada da sociedade, que dividia em inferior e superior: “Na sua sobrevalorização da civilização, demasiadas vezes os humanistas não compreendem a força original dos instintos e a sua indomável violência e, com o seu optimismo cultural, banalizam o terrível e quase insolúvel problema do ódio humano e das grandes psicoses da humanidade”.
Quanto à controvérsia entre Erasmo e Lutero, que caminhou da admiração algo mútua até uma guerra aberta, Zweig vê-a como algo fundador do pensamento alemão, “um acontecimento literário mundial”. Um livro que, para além de um triunfo literário, se lê também como uma valente lição de História.
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