Em 2014, a G. Floy destacou-se com grande força no mercado nacional de BD ao decidir apostar numa das editoras norte-americanas que se encontra a viver uma das suas fases mais douradas, tanto em termos criativos como de vendas: a Image Comics. Até à data, apenas a Devir publicava “The Walking Dead” em Portugal, uma das séries de maior sucesso da editora, mas uma que ainda surgiu antes deste novo boom criativo na Image. Claramente existiam oportunidades que deviam ser exploradas em Portugal.
Actualmente já foram adicionados mais títulos desta editora americana ao catálogo da G.Floy – “Southern Bastards”, “Má Raça”. No entanto e focando-nos apenas no início, os escolhidos para abrir as hostes foram três: a épica novela que é “Saga”, onde a ficção-científica e a fantasia medieval se misturam com grande entusiasmo; o policial lovecraftiano “Fatale”, onde o poder da sedução é encarnado na derradeira mulher fatal; e, por fim, “Tony Chu – O Detective Canibal”, a história de um homem que nasceu com o “dom” da cibopatia, recebendo impressões psíquicas de tudo o que come (excepto beterrabas). Desta forma, Chu destaca-se ao conseguir resolver os mais bizarros casos quando se decide a morder partes do corpo das vítimas. É, de todas estas séries publicadas, a mais voltada para o lado da diversão, uma diversão tão despreocupada quanto grotesca que assenta num equilíbrio bastante saudável entre estes dois elementos. Já com quatro volumes publicados para cada uma destas séries, podemos afirmar, de boca cheia, que todas foram apostas inteligentes, pela qualidade regular que mantiveram ao longo de todos estes volumes e pelos géneros tão distintos entre elas.
O mundo alternativo de “Tony Chu” decorre nuns Estados Unidos em que a FDA se tornou numa das forças policiais mais activas e com maior poder, desde que o mundo foi assolado por uma pandemia da gripe das aves, a qual resultou em milhares de mortos. Desde essa altura que as aves foram proibidas por precaução, tornando o acto de dar uma trinca na coxa de um belo frango assado um crime bem mais comum e perseguido do que cheirar um risco de coca. Tony Chu entra assim em cena como um dos polícias mais rigorosos, sempre adepto de seguir a lei à mais ínfima letra, mesmo quando a maioria dos colegas que o rodeiam não partilham do seu entusiasmo. Para muitos, incluindo o seu parceiro John Colby, a proibição das aves não passa de uma manobra governamental que esconde uma conspiração tão grande quanto secreta.
Graças ao seu talento raro (aparentemente existem apenas 3 cibopatas no mundo), Chu acaba por ser recrutado pela FDA e atirado de cabeça para os casos relacionados com o tráfego de aves, acabando por cair – sem saber muito bem como – numa rede de crimes que esconde mais segredos obscuros do que aparenta à primeira vista. Estas aventuras resultam numa enorme sucessão de sarilhos que nos estão constantemente a divertir, ao mesmo tempo que um enredo maior e desfragmentado vai sendo construído de forma aliciante. John Layman e Rob Guillory souberam construir este devaneio em torno de polícias canibais e uma pandemia da gripe das aves para se tornar, acima de tudo, uma leitura descontraída e muito bem-disposta (apesar do tom negro que o humor por vezes assume). Nada que aconteça aqui, por mais extraordinário que seja, irá estranhar o leitor, pois toda a acção é construída em pressupostos surrealistas, os quais podem incluir a existência de um galo mais letal do que qualquer humano à face da Terra. Até a própria divisão das vinhetas nem sempre respeita o tempo e o espaço, demonstrando o à vontade que os autores têm para brincar nesta saga, algo que aqui funciona bastante bem.
A maior razão para o sucesso desta trama de John Layman está relacionada com o vasto leque de personagens carismáticas criadas pelo autor. Há vida muito além de Tony Chu, o policia canibal, como se pode comprovar pelo seu colega John Colby – o detective mais eficiente e relaxado do mundo -, Mason Savoy – o seu superior que é uma das maiores forças da Natureza da FDA – ou o misterioso antagonista que é conhecido nos círculos do submundo pelo título de “Vampiro”. Também o irmão de Chu, o chefe de cozinha Chow, aparece regularmente para ser apanhado com um frango no bolso, o que gera sempre dinâmicas caricatas com Tony. Não faltam igualmente uma série de referências à cultura popular nestas aventuras, por isso não estranhem se encontrarem, de vez em quando, a divisão Fringe nos locais do crime, incluindo a própria dupla Olivia e Pete da série de TV.
As figuras desenhadas por Rob Guillory têm características físicas muito vincadas e pensadas para o tipo de personalidade em questão, o que funciona muito bem no papel. As expressividades são exageradas como é característico neste tipo de publicação humorística e evidenciam sempre muito bem o tipo de personagem com que estamos a lidar. Existem algumas personagens mais habituais do que outras, como é o caso do clássico patrão diabólico que sua tanto das axilas como jubila de alegria quando envia os seus subordinados para as tarefas mais grotescas ou perigosas, mas que compensam por serem bem utilizadas no contexto em que estão inseridas.
Como já é habitual nestas séries da G.Floy, “Tony Chu” também tem sido reconhecido com a distinção de dois prémios Eisner e Harvey e com os dois primeiros volumes a terem estado na lista dos mais vendidos do New York Times.
1 Commentário
[…] – Tony Chu vol. 1-4 – John Layman e Rob Guillory – Deus me Livro; […]
https://acrisalves.wordpress.com/2016/07/14/banda-desenhada-em-junho-de-2016/