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“Todas as Almas” | Javier Marías

Por Ana Ilhéu · Em 17/02/2020

Em “Todas as Almas” (Alfaguara, 2019 – 1ª edição portuguesa: 1990 ) vestimos a pele de um escritor narrador, professor universitário madrileno, que vive dois anos em Oxford, em plena década de oitenta. Embrenhamo-nos no olhar, tacto, emoção e acção de alguém que se despe de pudor e escreve apresentando-se como personagem e protagonista de um período da sua vida com ventanas escancaradas à luz, à brisa e ao som das relações que, nesse período, estabeleceu com os outros e consigo mesmo.

Um livro sobre a relevância do relacionamento interpessoal como ligação, conexão e vínculo entre pessoas num determinado contexto. No caso concreto, Javier Marías fá-lo levando-nos a circular por Oxford e pelo mundo académico, dentro e fora de portas da academia, pelas suas relações e ambiente social e profissionalmente complexo. Fazendo jus à consideração freudiana segundo a qual o homem é, na sua essência, um ser relacional, sendo da sua natureza relacionar-se de forma inata e natural, Javier Marías revela em “Todas as almas” a necessidade que o homem tem de se vincular e alimentar socialmente, de trocar energia, conhecimento e emoção com outros. Por oposição, demonstra de forma hábil o que acontece quando tal não é alcançado, quando as conexões com as pessoas com as quais convivemos são frágeis e pouco verdadeiras, quando elementos como a empatia e o respeito não estão presentes.

Alfaguara, Deus Me Livro, Crítica, Todas as Almas, Javier MaríasPara Javier Marías, um dos mais respeitados e reconhecidos escritores espanhóis da actualidade, esta terá sido a primeira vez que se apresentou numa obra sua – pese embora a já generosa produção literária, em 1989, data da publicação em Espanha deste seu quinto romance. Escrito na primeira pessoa, “Todas as Almas” tem por base antecedentes, pelo menos parciais, de cartas que o próprio escritor escreveu a amigos em Espanha durante o tempo em que permaneceu em Oxford, trabalhando como professor de Tradução. O narrador do livro ocupou o mesmo cargo ou posto que Javier ocupara, e viveu numa casa idêntica à que fora ocupada pelo próprio. Embora afirmando em Epílogo não retratar as pessoas com as quais conviveu nesse período, Javier admite, ainda assim, que as mesmas acabam por ter algo em comum com as personagens do livro. Já quanto ao vivido, conhecido e relatado, não parecem restar dúvidas de uma grande ligação, se não de verdadeira reprodução, de ambientes da cidade e da sua nostalgia, local de poderes vários, em muitos aspectos sectária e elitista, corroída por alguma intriga e malícia em círculos sociais restritos.

Emprestando a sua voz e parte das suas experiências à personagem central do livro, Javier Marías dá voz e cor a ambientes de conhecimento e atrevimento, contemplação e sedução. O prazer vivido na primeira pessoa, sob disfarce ou não, vá-se lá saber, da subtileza e da intensidade do proibido, do encoberto e da adrenalina da transgressão.

Em conexão ou em dissociação escritor-narrador, o resultado de “Todas as Almas” é uma narrativa de grande sensualidade, inspiradora e sugestiva de um libertar de sentidos, dissipadora de perturbações e de memórias e, em certo sentido, conciliadora de emoções. Um vaguear pela vida e pelo espaço, um verdadeiro desfrute de indulgência e contemplação, de alimento a partir da literatura, da retórica e da observação. Reflexões sobre o sentido da vida e da felicidade, do prazer e do amor, da realização pessoal e do estatuto. Vidas suspensas num espaço de história, tradição e muita encenação. E, em vários momentos, também uma viagem bibliófila.

AlfaguaraCríticaDeus Me LivroJavier MaríasTodas as Almas

Ana Ilhéu

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