É, ainda o ano não começou, um dos acontecimentos literários de 2025: o início da publicação, pela Companhia das Letras, da obra integral de Clarice Lispector, figura maior da literatura lusófona contemporânea, que teria feito no passado dia 12 de Dezembro 104 anos. Já a 20 de Janeiro chegarão às livrarias quatro romances, centrais na sua obra: “A paixão segundo G.H.“, “Água viva“, “Um sopro de vida” e “Perto do coração selvagem“.
Estas novas edições contam com a colaboração de Carlos Mendes de Sousa, autor do posfácio e do texto de apresentação de “A paixão segundo G.H.” e, ainda, de Joana Matos Frias, Pedro Mexia e Susana Moreira Marques, autores dos textos de apresentação de, respectivamente, “Água viva”, “Perto do coração selvagem” e “Um sopro de vida”.
“Perto do coração selvagem” foi o primeiro romance de Clarice Lispector, publicado em 1943, quando a autora tinha 23 anos. Foi, logo no arranque, uma pedrada no charco no panorama literário brasileiro. Dele diz a escritora Susana Moreira Marques no texto de apresentação: «A leitura deste romance confronta-nos com o que sabemos sobre nós próprios e com o quanto fingimos não saber. […] Pegue no livro. Pegue no lápis. Encontre as frases, para não se esquecer de que a felicidade nunca é dada por ninguém a não ser por nós mesmos».
Publicado originalmente em 1964, “A paixão segundo G.H.” é um dos romances mais conhecidos e lidos da autora, tendo sido adaptado ao cinema. Tem posfácio do académico Carlos Mendes de Sousa, um dos grandes especialistas mundiais da obra de Clarice Lispector, que diz deste romance: «Um texto maior da literatura do século XX. […] A maior parte das vezes, o que acontece com Clarice é que ela nos dá encontros de vida. A grande fulminação é o impulso vital que as suas palavras contêm. Lendo-a, aproximamo-nos do seu mundo denso e verdadeiro. É por isso que, em espelho, nos estamos sempre a rever nos seus textos».
Nove anos depois, em 1973, foi a vez de “Água viva“. A professora universitária Joana Matos Frias classifica este romance como «a fala tardia e nocturna, por vezes quase sonâmbula […] de uma pintora que deseja mudar de meio de expressão e procura assim dar conta, nesta noite ‘mais longa do que a vida’, do seu nascimento enquanto escritora […]. Mais do que assistir a este parto, é dado ao leitor participar nele e na descoberta do (i)mundo, com o susto de quem vê o informe tomar forma».
O último romance deste quarteto é “Um sopro de vida“, publicado em 1978, um ano depois da morte de Clarice. O escritor e crítico literário Pedro Mexia qualifica-o como «um livro deambulante, concreto e ínfimo, abstracto e inexprimível, uma inteligência dos sentidos e das sensações, mais até do que do pensamento. Torna-se por isso uma constante surpresa, exigência e ousadia […]. Mais do que um livro inacabado e póstumo, Um sopro de vida lembra a nossa comum condição póstuma e inacabada».
Ainda em 2025, será publicado um livro até agora inédito em Portugal, que reúne crónicas e outros textos: “Para não esquecer“. Seguir-se-ão, em anos vindouros, os restantes romances, assim como vários volumes de contos, crónicas, cartas e uma antologia de textos para a infância.
Para a Companhia das Letras, a publicação da obra de Clarice Lispector representa, nas palavras das editoras Clara Capitão e Madalena Alfaia, um marco assinalável na história da chancela em Portugal, que celebra 10 anos em 2025: «Acolher a obra de Clarice Lispector no nosso catálogo é a melhor forma que poderíamos ter imaginado para assinalar o aniversário da Companhia das Letras em Portugal, num encontro que estava destinado a acontecer. Ler estes livros pela primeira vez é encontrar uma literatura absolutamente moderna, disruptiva, audaz, extraordinariamente instigante. Relê-los é uma redescoberta permanente de novos matizes, cintilações, camadas sucessivas de significados e intuições, num edifício literário sem paralelo na língua portuguesa. Clarice ousou escrever sobre as arestas mais recônditas do nosso pensamento, sobre os sentimentos e desejos mais inconfessados. Clarice procurou e encontrou formas incrivelmente inovadoras de escrever sobre identidade e liberdade, apontando sempre ao coração da vida. Uma escritora que se antecipou ao seu próprio tempo, que rompeu fronteiras. A sua é uma obra maior do cânone moderno e contemporâneo, que dialoga com o passado e com o futuro. Desenhámos uma estratégia de publicação ambiciosa, porque pretendemos levar Clarice Lispector a todos os leitores, que merecem descobri-la na sua absoluta intemporalidade e inquestionável pertinência».
SOBRE A AUTORA:
A 10 de Dezembro de 1920 nasce Clarice Lispector, que viria a tornar-se figura maior da literatura do século xx. Recebe, ao nascer numa aldeia da Ucrânia, o nome «Haia», que significa «vida». Para fugir à guerra civil e à perseguição dos pogroms, a família decide emigrar: em 1922, Clarice Lispector aporta no Nordeste do Brasil, acompanhada pelos pais e as duas irmãs. Mudam de nome, começam uma nova vida. Em 1939, vai estudar Direito no Rio de Janeiro. No ano seguinte, começa a trabalhar como jornalista e publica, numa revista, o primeiro conto. Não mais pára de escrever. “Perto do coração selvagem”, o romance de estreia, sai em 1943, ano em que a escritora se casa com um diplomata brasileiro, seu colega de faculdade. Dez anos mais tarde, este romance sai em França, com capa de Henri Matisse, inaugurando um percurso internacional fulgurante. A partir de 1944, Clarice Lispector vive em Nápoles, Berna, Torquay e Washington, acompanhando o marido na carreira diplomática. Regressa ao Brasil, com os dois filhos, em 1959, após o divórcio. Morre em 1977, no Rio de Janeiro.
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