A última grande mudança na vida do grupo de Rick foi o convite para integrar uma comunidade que, neste ambiente apocalíptico, lhes surge como uma utopia, um resto de civilização escondido que continua a persistir e a crescer. Ora se numa situação normal “quando a esmola é grande o pobre desconfia” então, tendo em conta tudo o que este grupo já passou, é mais do que natural que nem todos se entreguem a esta nova utopia de braços abertos, sem gerar qualquer tipo de desconfiança. Para Rick esta é uma oportunidade demasiado boa para o futuro do seu filho e, por isso, imperdível; porém, será que esta nova comunidade é tudo aquilo que aparenta ser?
Passados 12 volumes, Robert Kirkman continua a construir, com grande dinâmica e tensão situações que testam estas personagens, sendo verdadeiras experiências de autoconhecimento. Neste “Longe Demais” (Devir, 2016) – o 13º volume da série The Walking Dead – é de lhe gabar a forma como continua a desenvolver esta nova comunidade, não caindo na tentação de criar algum tipo de segredo obscuro que automaticamente a condenasse – é que tal artimanha é desnecessária para que conflitos sejam gerados. Muitas destas pessoas estão quebradas por dentro, em particular o grupo de Rick, o qual tem passado por uma série de prestações desumanas. Para eles, o simples facto de integrarem nesta nova forma de vida já é suficiente para lhes perturbar o status quo. Por vezes não existem nem heróis nem vilões, apenas pessoas a tentar, da melhor maneira que sabem, viver.
Cada membro do grupo protagonista gera esta integração de forma distinta criando, pela primeira vez, uma certa separação entre eles. Andrea e Abraham abraçam a oportunidade, conquistando cada vez mais um lugar neste novo local, enquanto Glenn e Rick continuam mais isolados, sempre a ajudar, mas sempre desconfiados, com um plano de reserva. Curiosamente, esta seria a grande oportunidade para Rick abdicar daquele cargo que tantas vezes afirma não querer: o de líder. Contudo, os sentimentos de dúvida e desconfiança que tem vindo a fomentar, tornam-lhe essa tarefa cada vez mais difícil. Ninguém duvida das suas capacidades de liderança, mas será que ele está preparado para confiar nas dos outros? Ou, seguindo o seu raciocínio, será que deve? Cada vez mais se sente o peso que carrega nos ombros, desde a morte de Lori e da filha ou por causa das escolhas que viu Carl ser forçado a tomar. Mais do que nunca Rick precisa parar e exorcizar os seus demónios só que, o problema em “The Walking Dead”, é que, por norma, nunca há tempo para parar.
Se a história segue numa direcção interessante, é pena que a escrita dos diálogos não a consiga acompanhar. Os arcos narrativos de “Walking Dead” são rápidos e, aparentemente, a escrita dos diálogos também. Por norma, esta dinâmica apesar de entusiasmante paga-se sempre no desenvolvimento das personagens. Se “Longe Demais” começa muito bem, a sua conclusão já é menos satisfatória, precisamente por soar a apressada.
Graficamente Charlie Adlard continua a fazer o que sabe melhor, mantendo a qualidade a que já nos habituou, tanto a nível do seu traço negro como da estrutura narrativa. As suas splash pages, que culminam nos momentos de suspense, continuam a impressionar. Tratando-se de uma história de horror, os autores podiam dedicar mais tempo à componente gore dos zombies; por outro lado, sempre foi claro que estes monstros apenas se tratam de mecanismos narrativos para abordar questões psicossociais, ou seja, aqui o tipo de horror mais assustador é outro.
“Longe Demais” continua a desenvolver a bom ritmo o arco narrativo iniciado anteriormente, que tem potencial para levantar muitas mais questões e conflitos de valor. O que se reflecte numa boa fase para “The Walking Dead” que vale bem a pena acompanhar.
Sem Comentários