O primeiro volume da série The Umbrella Academy, intitulado “Suite do Apocalipse” (Devir), havia cumprido com distinção a sua função de nos apresentar a este universo alternativo de Super-Heróis. A extravagância que pautava estas aventuras podia ser a característica que saltava à primeira vista mas, porém, rapidamente compreendemos que também nos encontrávamos perante um grupo de personagens complexo, a formar uma família disfuncional, cujas desavenças criavam empatia imediata com o leitor.
Way sabe o quão importantes elas são para a história, independentemente de todos os enredos mirabolantes e tão divertidos que vai introduzindo. Com uma apresentação desta envergadura, onde a identidade da série ficou tão bem vincada, a expectativa em torno de um segundo volume aumentou consideravelmente, até para os próprios autores que foram premiados com o Eisner e Harvey para melhor série limitada e melhor série nova, respectivamente. Depois de tanta loucura e um plano tão ameaçador, o que fazer a seguir era a grande questão que se colocava aos autores. A resposta surge aqui, neste “Dallas” (Devir, 2016).
Numa versão da Terra em que existem tantas alterações mirabolantes em comparação com a nossa, tais como chimpanzés falantes ou alienígenas que são as novas estrelas de boxe, não deixa de ser curioso que a mudança que mais capte a atenção seja a do não assassinato de John F. Kennedy. De todas as alterações que Gerard Way introduziu aqui, porquê mexer nesta tão específica situação histórica? A resposta surge-nos finalmente agora, naquela que é também a história que irá revelar o mistério em torno do Número 5, o rapaz viajante do tempo e o membro mais intrigante desta equipa.
Após os acontecimentos de “Suite do Apocalipse”, encontramos esta família num estado ainda mais quebrado do que quando a conhecemos – como se tal nos parecesse possível na altura. A suposta traição de Vanya (Violino Branco), a lesão de Allison (Rumor) e a morte do Dr. Pogo tiveram um impacto gigante na dinâmica dos Umbrella Academy, a qual parece agora uma mera sombra do seu passado. Até Luther (Spaceboy), o destemido e sempre activo líder, caiu num poço de depressão e auto-piedade, passando os dias a assistir a reality shows, mantendo-se apenas Diego (Kraken) como o único membro activo na batalha contra o crime. Desta forma, ao mesmo tempo que descobrimos o passado sombrio do Número 5 e as implicações que terá no futuro, vamos observando a luta individual de cada membro desta equipa em aceitar os acontecimentos do passado para, assim, se reconstruirem como família – pois, por muito que alguns o possam negar, é o mais importante para todos eles. Tudo isto a acontecer num registo que se encontra algures entre “Doctor Who” e “Ichi The Killer”, versão norte-americana.
O facto de Way nunca nos ter dado a conhecer a versão adulta do sexto membro desta equipa, Ben Hargreeves (Horror) – o qual se encontra morto desde o início da série -, levou-nos a especular se as escolhas radicais tomadas em “Suite do Apocalipse” se iriam manter permanentes, uma vez que, por norma, no universo dos Super-Heróis não existe o conceito de “para sempre”, nem mesmo com a morte. Como estamos perante uma série que almeja ser de longa duração, nem sempre convém destruir tudo tão depressa, algo que Way sabe, acabando, neste volume, por cair em alguns clichés compreensíveis deste tipo de BD. No entanto, mais do que a questão da originalidade das ideias de “Dallas” o que realmente nos cativa é a forma como estas são executadas, sempre de forma divertida e emocionante.
Em termos de novidades, continuamos a ter a adição de personagens memoráveis como o duo maníaco Hazel e Cha-Cha – dois apaixonados tanto por chacina como por açúcar -, bem como Carmichael, um peixe dourado com corpo mecânico que parece mesmo saído das aventuras de “Hellboy” (Dark Horse) – ainda que a maior influência que por aqui se continua a fazer sentir passe primeiro pelas ideias lunáticas de Grant Morrison, o autor de “Doom Patrol”, “The Invisibles” e The Filth” (todos editados com o selo da Vertigo).
Para muitos, Gerard Way continua a ser “o vocalista dos My Chemical Romance que escreve BD”, uma expressão que se deve apenas à maior projecção da música, em relação à BD, na cultura popular. Way esteve ligado academicamente às artes plásticas (esboços feitos pelo próprio encontram-se nos extras) e continua a demonstrar possuir um forte conhecimento da linguagem da BD, sabendo trabalhar a estrutura e ritmo desta história, como qualquer bom profissional. Sente-se muita garra e sangue novo neste seu trabalho, mas também experiência. Daqui a muitos anos será, sem dúvida alguma, um dos nomes associados aos novos Super-Heróis do século XXI. Todas estas qualidades são ainda mais acentuadas graças à vida que Gabriel Bá incutiu nestas ideias. Os desenhos de Bá, juntamente com as cores de Stewart, continuam a ser triunfantes na proeza de construir um universo que pode ter tanto de palerma como de psicótico ou dramático, ao mesmo tempo. É uma enorme mescla de sentimentos que vivem dentro de “Umbrella Academy” e, graças a este trio, sentem-se todos.
No final ainda temos a curta “Qualquer lugar longe daqui”, na qual viajamos ao passado para conhecer um pouco melhor a relação especial que existe entre Vanya e Diego, à semelhança da que existe entre Allison e Luther.
Com tamanho sucesso, tanto pela crítica como pelo público, estranha-se que “The Umbrella Academy” se mantenha parado durante tanto tempo – desde 2008 que não se editou material novo –, até porque as intenções de continuar existem. Se em “Suite do Apocalipse” já tínhamos as sementes para este “Dallas”, o mesmo volta a acontecer neste volume, com a adição do Sr. Perseus e da experiência espiritual de Klaus (Séance), a qual parece apontar para mais uma revelação sobre o mistério que gira em torno do nascimento destes Super-Heróis. O que nos leva a questionar o porquê da Devir ter optado por editar esta série agora. Será simplesmente por ser merecedora de constar nos nossos catálogos? Só por si seria razão suficiente, mas será que a anunciada terceira aventura – intitulada “Hotel Oblivion” – estará prestes a sair, aproveitando assim a editora a ocasião? Para já não existem ainda confirmações, mas podemos sempre sonhar.
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