É, no mundo da banda desenhada, a série que estará mais perto de The Big Sleep – “O Grande Abismo” na versão portuguesa -, o policial mais literário e existencialista da história da literatura assinado por Raymond Chandler.
Premiado com o Eisner para a Melhor Série, “The Fade Out” (G. Floy, 2018) decorre “naqueles anos do boom da pós-Segunda Guerra Mundial” que serviram para uma nova corrida ao ouro mas, sobretudo, para um FBI paranóico e o House Un-American Activities Committee – Comité de Actividades Anti-Americanas – porem meio mundo americano contra a outra metade sob o signo do Perigo Vermelho. E, se em termos sociais, políticos e éticos falamos de uma era negra, culturalmente acabou por resultar num dos períodos mais incríveis da história americana, que correspondeu à época do film noir.
Escrito por Ed Brubaker e desenhado por Sean Philips, “The Fade Out” transporta-nos à Hollywood dos anos 1940 – mais precisamente a 1948 -, onde Charlie, um argumentista semi-frustrado, acorda de uma festa de arromba ressacado e com Valeria Sommers, a estrela do estúdio, estrangulada perto dele, optando por sair de fininho sem chamar a polícia.
Porém, quando descobre que o relatório policial indica o suicídio como a causa da morte, percebe que há um fundo de verdade num sussurro que tem percorrido os bastidores do mundo do cinema desde há algum tempo: “Os estúdios andavam a abafar homicídios e violações desde os loucos anos 20, pelo menos”.
Gil, o amigo de Charlie e seu companheiro de escrita, havia sido o primeiro a entrar na lista depois dos Dez de Hollywood, acabando por se tornar no escritor fantasma de Charlie, que não consegue escrever há anos – desde a França e a Alemanha: “O que quer que existia dentro dele que o fazia escritor tinha-lhe sido roubado por lá”.
Obcecado com a morte de Val, Gil torna-se um bêbado taciturno, enquanto Charlie vai travando amizade com Maya Silver, a substituta de Val – que poderia bem ser sua irmã ou uma parente não muito afastada -, que serve para este fazer um auto-retrato da fama na terceira pessoa: “Charlie não passa de uma traça que descobriu uma maneira de chegar mais perto da chama. Mas a Maya, e outros como ela, foram mais além…Descobriram a maneira de serem eles a chama”.
Com desenhos que captam toda a aura de perseguição deste período conturbado da vida americana, Brubaker serve um quase romance – qualquer coisa como 400 páginas – que captura os dilemas pessoais, a auto-aversão e a destruição da alma com o selo de Hollywood, num mantra que deveria estar gravado num azulejo de parede de qualquer actor ou actriz que decida aventurar-se neste reino: “A mentira que contas a ti próprio é a mais doce das mentiras”.
Para além da história/romance, esta edição de luxo inclui ainda as capas – “a parte mais difícil de fazer de um comic” de acordo com os autores -, um “trailer de cinema em papel”, alguns artigos e ilustrações e toda a pesquisa e processo de trabalho que conduziram a este épico noir da banda desenhada. Philip Marlowe iria gostar disto.
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