Com autoridade, Timothy D. Snyder, professor de História na Universidade de Yale, Estados Unidos, especialista em história da Europa Central e Oriental, fala-nos sobre o Holocausto em “Terra Negra” (Bertrand, 2016), com o sub-título O Holocausto como História e Aviso. Fá-lo de um ponto de vista histórico, servindo-se de um relato generoso e de fácil apreensão. Considerado como um importante e polémico historiador do século XX, Timothy Snyder venceu o Prémio Hannah Arendt, tendo publicado, entre outros, “Terras Sangrentas”, sobre o genocídio dos judeus no leste europeu durante a Segunda Guerra Mundial, além de inúmeros artigos sobre o genocídio dos judeus e de outros povos pelos regimes nazi e comunista, no século passado.
Em “Terra Negra”, o grande ganho é extraído da incómoda certeza de que, na actualidade, muitos dos jogos de poder, estratégias políticas e estereótipos culturais com que diariamente convivemos à escala mundial, são perigosos activadores de mal-estares entre povos, com indesejáveis similitudes com a primeira metade do séc. XX.
“Como pôde um povo estabelecido numa cidade (num país, num continente) ver a sua história chegar, subitamente, a um fim violento? Por que razão estranhos matam estranhos? Por que razão vizinhos matam vizinhos?”. Como explicar às gerações recentes, especialmente às crianças, que o ser humano sentiu esta compulsão para se afirmar através da destruição? “Na mente de um adulto, palavras e números ligam presente e passado. O ponto de vista de uma criança é diferente. Uma criança parte das coisas.”
Os sinais e as sequelas do passado mantêm-se e preservam-se, como forma de memória e de legado: os pequenos quadrados comemorativos em latão com nomes, datas de deportação e locais de falecimento, no chão do elegante sexto distrito de Viena e a forma como as gerações recentes os olham: a preocupação para que o discurso global não se fique pela atribuição de responsabilidade apenas a algumas nações, ignorando que nem tudo se circunscreveu a uma povo, a um homem e a um tipo de vítimas: o reconhecimento de como a combinação entre ideologia e circunstâncias, ampliando-se mutuamente, pode revelar-se incontrolável. Tudo material para, segundo o autor, não deixarmos de atender à contemporaneidade do tema: “A história do Holocausto não está terminada. O seu precedente é eterno, e as suas lições ainda não foram aprendidas.”
Hoje, escudados pela defesa dos Direitos Humanos, é importante que nos questionemos sempre que um país é invadido sob o pretexto de serem repostos padrões de normalidade. Procurando enfraquecer ou destruir Estados hostis, estar-se-á efectivamente a promover coisas boas ou tão só a ampliar a hegemonia de uns Estados sobre outros, de nacionalismos populistas exacerbados?
Em “Terra Negra” são estes alguns dos dilemas que o autor procurar cultivar no leitor, fornecendo sem parcimónia factos históricos, servindo-se da díade informação-reflexão. Começa por familiarizar o leitor com as ideias de Hitler e o seu pensamento ecológico, apresenta o efeito da economia política mundial dos anos 20 e 30 do século XX no povo alemão, a influência do mito judeo-bolchevique na imagem do inimigo, as políticas anti-semitas, o deslocamento dos judeus europeus na política europeia geral e a promessa da Palestina como Estado judaico, entre muitos outros.
Ao longo de mais de 600 páginas navega-se neste registo histórico e factual. Se o processo é dominantemente constrangedor, pela inevitável transposição para a realidade actual, o epílogo é ainda assim de esperança, na lucidez, resistência e resiliência de povos e decisores políticos. Ao anónimo leitor subentende-se o apelo de não se ficar por raciocínios e retóricas simplistas e cómodas. De não dar por extinto o perigo da combinação entre estereótipo e hegemonia, já antes conducente ao extermínio daquilo que não confere.
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Belo texto, Francisca. Parabéns.