“Recuso-me a acreditar que o orgulho Sulista provém da dor que infligimos a outros. O orgulho Sulista vem de tudo o que conseguimos construir juntos. Vem da nossa música e arte e inovação.”
As palavras são de Jason Aaron no posfácio a “Southern Bastards Vol. 3: Regressos” (G. Floy, 2017), intitulado “Acerca da Bandeira Rebelde do Sul…”, palavras motivadas pelo facto de, como capa alternativa ao décimo número da série ongoing, ter aparecido um cão a rasgar a bandeira confederada sob o lema “Death to the Flag” – o que gerou uma discussão algo acesa em torno do que é ou não ser Sulista.
Ainda que se perca um pouco na definição de racismo, dizendo que a certa altura este “sempre foi mais acerca de poder do que da cor de pele“, Aaron chega ao ponto fulcral onde defende, com todas as letras, a morte da bandeira, que acabou por se tornar um símbolo da crença de que bancos e negros são diferentes. Uma bandeira que deve estar, na opinião do autor, confinada aos livros de histórias e aos museus, porque esta é um símbolo opressor – e não apenas um indicador de que se é fã dos Dukes de Hazzard: “Há pessoas cuja própria existência ela não fez mais do que insultar, diminuir e prejudicar. Pessoas que foram muito injustiçadas.(…) Por isso, sim. Volto a repeti-lo – o orgulho sulista é…morte à bandeira“.
Serve este longo preâmbulo como lançamento ao terceiro volume de Southern Bastards – arco que reúne os números 9 a 14 da série ongoing -, um livro onde a acção decorre no Condado de Craw, um lugar onde se respira ódio, se escondem segredos e se espera que, a qualquer momento, o rastilho que encima um barril de pólvora seja aceso.
Estamos na semana do Homecoming, o maior jogo do ano para os Runnin’ Rebs, a equipa do Colégio do Condado de Craw treinada pelo implacável Coach Euless Boss – que vai coleccionando inimigos como quem se dedica a coleccionar cromos -, isto depois de o protagonista – e treinador – Earl Tubb ter sido vítima de um brutal homicídio.
Para além do jogo, que marca o ritmo da narrativa mas não a abafa, o livro mergulha mais a fundo no passado de seis personagens do condado: Xerife Hardy, “um homem que vive na sombra do rapaz que foi e da rapariga que o amava“, alguém que passou ao lado de uma carreira gloriosa de jogador de futebol para se ver arrastado para um mundo corrupto e violento, onde nem sequer a família constitui uma tábua de salvação; Esaw Goings, um lacaio do Coach Boss muito dado à libertinagem, alguém que vive a religião e a vida como se estivesse sob o efeito de uma dose cavalar de metanfetaminas ou de um ácido marado; Boone, um caçador e manipulador de cobras, que age como um justiceiro abatendo assassinos, violadores e todos os que considera escória com um arco e flechas; Tad Ledbetter, o jovem que depois de travar amizade com Earl Tubb acabou hospitalizado; Miss Ledy, a esposa do Mayor, que com este praticamente entrevado faz uso da livre tradução de pensamento; e, por último – mas essencial -, Roberta Tubb, a militar que regressa do Afeganistão para apanhar os homens que mataram o seu pai – e que será, certamente, protagonista maior no arco seguinte.
O argumento de Southern Bastards está ao nível do melhor que Jason Aaron nos tem oferecido, revelando um mundo brutal e sangrento dominado pelo ódio e pela corrupção, onde a justiça, se é que existe tal coisa, está na mão de vigilantes com um parafuso a menos. Quanto à arte de Jason Latour, essa, está ao nível do que pode ser visto nas melhores galerias de arte, fazendo uso de um estilo realista, retratista e pleno de negrume. Uma das melhores séries disponíveis no mercado com tradução portuguesa.
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