A primeira vinheta – composta por duas páginas – deste “Southern Bastards” (G. Floy, 2016), funciona logo como um excelente prenúncio para a história que se aproxima. Momentos antes de chegarmos à cidade fictícia do condado de Craw, no Alabama (Sul dos Estados Unidos), somos apresentados a três cartazes de igrejas distintas e a um cão, calmamente, a defecar poucos metros à frente. Os anúncios avisam-nos que nos encontramos prestes a entrar dentro de uma comunidade mais religiosa, prevendo-se mais conservadora, enquanto o cão espelha muito do sentimento experienciado pelo protagonista, Earl Tubb, um homem que desta terra almeja apenas distância.
Não se pretende com isto passar uma ideia errada e estereotipada do Sul dos Estados Unidos, até porque a maior raiva é despoletada pelas coisas que mais amamos e, esse sentimento, é bem transparente aqui, não só através do protagonista mas também dos seus dois autores, Jason Aaron (“Scalped”, “Meno f Wrath”) e Jason Latour (“Loose Ends”, “Django Unchained”), ambos naturais do Sul e ambos a nutrirem uma relação de amor, ódio, saudade e medo, com a respectiva terra natal. Porque “Southern Bastards” tem todos estes sentimentos a fervilhar nas suas páginas, nunca esquecendo os verdadeiros sacanas, esses que arruinam o encanto do Sul ou que fomentam o seu assombro – este livro também é para eles.
Quando o seu tio Buhl foi para um lar, Earl Tubb viu-se forçado a regressar ao condado de Craw, pela primeira vez em 40 anos, desde a morte do seu pai. 40 anos em que Tubb havia cortado quaisquer relações com as suas raízes, num regresso que sempre se prometeu rápido mas que se foi provando cada vez mais lento, pois podemos estar terminados com o passado que o passado pode não ter terminado connosco. O pai de Earl foi, em tempos, o Xerife deste condado e um que não se poupava a esforços para combater injustiças, nem que estas batalhas fossem travadas às custas da sua família. Esta é, pelo menos, a imagem retida por Earl, uma que ainda hoje o assombra e da qual ele se esforça por manter distante. Porém, quanto mais Earl se tenta afastar da imagem do seu pai, mais acaba por se aproximar da mesma. Porque o destino tem destas particularidades e “Southern Bastards” é uma história sobre destinos, sobre um homem que, quando confrontado com o seu passado, acaba por enfrentá-lo de uma forma que não esperaria: Earl Tubb herdou demasiados valores do seu pai para conseguir ficar imóvel aos olhos da opressão.
“Aqui Jaz Um Homem” é, por isso mesmo, um volume de conflitos, sejam estes físicos ou psicológicos. Neste regresso às raízes Earl Tubb terá de confrontar o fantasma do seu pai ao mesmo tempo que irá lutar contra o estado corrupto em que esta comunidade se encontra a viver. Por detrás de toda a violência e sangue, Jason Aaron nunca esquece o que move as suas personagens, mesmo que a maioria sejam grandes sacanas. Nem outra coisa se esperaria do autor que decidiu explorar as diferentes perspectivas do soldado americano e do soldado vietnamita em “The Other Side” (Vertigo). O seu Earl Tubb é denso, complexo e vamos conhecendo-o não só a partir das suas falas, mas também dos seus silêncios. De salientar a forma como Aaron usa os telefonemas mistério do seu protagonista para introduzir elementos novos na narrativa, um mecanismo que aqui é usado de forma muito funcional.
Quanto a Jason Latour parece conseguir criar uma imagem genuinamente sulista, povoada de rednecks, churrascos e, claro, muito futebol. As expressões nas faces das personagens são sempre muito duras e o ambiente sente-se constantemente tenso, como se qualquer acção a qualquer altura pudesse resultar numa sessão de pancadaria, ao estilo do bom velho oeste. As suas cores privilegiam tons quentes, sobressaindo, em particular, o vermelho usado, por exemplo, nos uniformes da equipa de futebol deste condado ou nas memórias do protagonista, evocando, além do calor sulista, o sangue derramado por estas personagens.
Nos últimos anos temos assistido a um boom, tanto de produção como de qualidade da editora norte-americana Image Comics. Tirando a Devir e o seu “The Walking Dead” (anterior a isto), não haviam outras editoras a explorar este novo filão. A contrariar a tendência das típicas edições da DC ou da Marvel, a G. Floy entra neste mercado com “Fatale”, “Saga” e “Tony Chu”. A estes títulos junta-se agora “Southern Bastards”, uma série de 2015 que foi nomeada para vários Eisners, tendo vencido o Harvey para melhor nova série.
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