Nascido no Canadá em 1966, Guy Delisle tem transformado as suas viagens em novelas gráficas, diários de viagem a preto e branco onde sobressai um espírito arquitectónico e uma atenção ao detalhe e à cultura alheia.
Chroniques Brimanes e Chroniques de Jerusalém – Prémio Internacional de Banda Desenhada de Angoulême em 2012 – são relatos das viagens feitas à Birmânia e a Israel, quando acompanhou a mulher em missões para a Organização Médicos Sem Fronteiras. “Pyongyang” (Devir, 2015) e “Shenzen” (Devir, 2017), este último chegado recentemente às livrarias, são o resultado das suas experiências em estúdios de animação na Ásia.
A acção de “Shenzhen” – com o sub-título Uma viagem à China – decorre em Dezembro de 1997, um regresso de Delisle à Ásia depois de ter estado em Pyongyang: “Torno a encontrar tudo aquilo que já esquecera: por toda a parte o barulho, a multidão, a sujidade, o ambiente cinzento“. Isto porque, a memória, havia apenas conservado os aspectos bons, como o exotismo e “o lado ingénuo e estupidamente positivo das coisas“.
Para Delisle a estadia será de três meses, num quarto de hotel igual a todos os outros quartos e a todos os outros hotéis do país, que parecem ter sido desenhados pelo mesmo arquitecto. Um espaço onde pontuam jarros mal concebidos e “uma série de botões para controlarmos o nosso pequeno mundo“.
Deslile irá substitui o director cessante que, na despedida, lhe deixa um conjunto de palavras animadoras: “Em todo o caso, boa sorte. O pior ainda está para vir“. Nos três meses de estadia – que muitas vezes irão parecer três anos -, Deslile irá descobrir que chineses bilingues são difíceis de encontrar, que os tradutores são de poucas conversas e que, entre serpentes e ovos de mil anos (“de tom esverdeado nada apetitoso, mas de gosto delicioso”), se tornou um apaixonado da cozinha chinesa.
Por entre o diário de viagem vislumbram-se alguns apontamentos políticos, como a saudação militar das meninas dos comboios ou a menção às penas capitais, mais de cinco por dia de acordo com a imprensa oficial.
Os desenhos de Delisle, todos eles a preto e branco e de traço vigoroso, mostram o real e o quotidiano de forma quase retratista, em grandes planos que se aproximam de postes telefónicos, roupa estendida ou figueiras-de-bengala, numa sedutora utilização do claro/escuro. Um Lost in Translation transformado em novela gráfica.
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