Em ano de comemorações do centenário do nascimento de José Saramago, continuam as reedições, acrescentos e novas abordagens à sua obra. Neste último campo, destaque para o recente lançamento de “Saramago: os seus nomes” (Porto Editora, 2022), livro que, a partir de 200 nomes-chave na trajectória de Saramago, nos oferece um olhar transversal e muito interessante sobre o percurso de vida e a obra do nobel literário português.
Nomes que estão longe de ser um dicionário completo, mas que nos mostram José Saramago na sua interioridade, bem como na sua relação com o mundo e os outros. “Não estão aqui todos os nomes, mas todos os nomes que aqui estão foram constitutivos da sua identidade. Cada entrada deste livro propõe uma alusão a um mundo, ao seu mundo, e portanto uma alusão a si mesmo”.
Trata-se de uma edição em capa dura, com um cuidado design que parte de um reportório fotográfico e documental muito amplo, e que estabelece um curioso diálogo entre a voz de Saramago, a sua memória e muitas das geografias que lhe foram próprias, com excertos retirados dos seus romances, artigos de jornais e revistas ou outros mais dispersos – logo a abrir, uma autobiografia bastante cirúrgica, escrita em Lanzarote em 2008, que começa desta forma: “Nasci numa família de camponeses sem terra, sem Azinhaga, uma pequena povoação situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres).”
O livro apresenta-se dividido em quatro secções: Espaços/Lugares, uma “cartografia pelos quatro pontos cardeais” que inclui lugares que só a mente de Saramago visitou; Leituras/Sentidos, que versa sobre a obra e alguns dos criadores fundamentais na sua obra; Escritas/Criações, que atravessa personagens, temas e figuras históricas presentes na sua obra; e Laços/Pessoas, o mais afectivo dos capítulos, que trata das afinidades de diferentes etapas da sua vida.
Uma edição muito bem cuidada – com o dedo de Raul Loureiro -, que inclui, para além de toda a literatura, fotografias a cores e a preto e branco, imagens de autocolantes, cartões políticos, envelopes, cartazes e capas de livros. Se entrar de cabeça na obra de José Saramago pode ser um desafio, “Saramago: os seus nomes” oferece várias portas de entrada para os seus livros.
Ricardo Nunes Viel (São Paulo, 1980), jornalista, é mestre pela Universidade de Salamanca. Colabora com diversas publicações, entre elas as revistas Piauí e os jornais Valor Económico e Globo. Trabalha desde 2013 na Fundação José Saramago, onde exerce o cargo de director de comunicação. É um dos organizadores do livro Com o mar por meio – uma amizade em cartas, volume que reúne a correspondência entre José Saramago e Jorge Amado, publicado em 2016 no Brasil e em Portugal. É também autor de “Um País Levantado em Alegria” – 20 anos do Prémio Nobel de Literatura (2018).
Graduado em Edição pela Universidade de Buenos Aires e de Barcelona, Alejandro García Schnetzer publica desde 2000 os seus trabalhos como autor, tradutor e director de colecções. Concebeu e desenvolveu obras de autores como Julio Cortázar, Eduardo Galeano, Clarice Lispector, Pablo Neruda, entre outros. De José Saramago editou os álbuns “O Silêncio da Água”, “O Lagarto” e “Uma Luz Inesperada”.
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