Se a informação produzida pelos média noticiosos nunca foi tão consumida, também nunca terá sido tão mal paga. Por outras palavras, ainda que a informação chegue a um público potencialmente mais vasto – o digital –, os órgãos de comunicação não estão a conseguir lucrar com a abertura dos conteúdos à reprodução, à retransmissão e à partilha. Um exemplo claro é quando se conclui que a receita anual combinada do conjunto dos jornais diários americanos é duas vezes inferior à do Google, cuja especialidade consiste em agregar os conteúdos produzidos por órgãos noticiosos que investem nessa mesma produção.
Tendo em conta este cenário de pré-colapso do modelo de negócio dos média noticiosos, assente essencialmente no incentivo ao consumo e nas receitas de publicidade, Julia Cagé propõe a passagem do estudo das empresas de imprensa de sociedades comerciais sujeitas à lei do lucro, do mercado e do accionista todo-poderoso, para a sociedade de média, que entende um pluralismo claro dos titulares dos média – uma nova forma de participação no capital e uma partilha de poder de controlo e de decisão. “Salvar os Média” (Temas e Debates, 2016) é, assim, uma proposta para uma nova forma de democracia accionista adaptada aos média: “Os meios de informação devem […] superar a lei do mercado, porque a corrida ao lucro leva-os a esquecerem o seu principal objetivo: o fornecimento de uma informação independente e de qualidade” (p.116).
A proposta tem em conta, designadamente, a criação de um estatuto de “sociedade de média sem fins lucrativos”, um intermédio entre o estatuto de fundação e o de sociedade de acções. À semelhança do modelo aplicado pelas grandes universidades internacionais, este estatuto concilia a actividade comercial e a ausência de fins lucrativos. Este modelo, que tem tanto de ambicioso como de optimista – e que se funda na ideologia da abertura democrática dos média aos cidadãos -, permitiria, ao mesmo tempo, assegurar a qualidade e a diversidade da informação e abrir os média a um financiamento participativo.
Assim, os média deixariam de ser um terreno de jogo para empresários com interesses declarados ou subliminares, ou um investimento para espectadores à procura de bons negócios. O modelo proposto por Cagé, ao reduzir o poder de decisão dos maiores accionistas, oferecendo um contrapoder de certa dimensão aos leitores, ouvintes e telespectadores, bem como aos jornalistas, permitiria uma reapropriação democrática da informação por aqueles que a fazem e por aqueles que a consomem.
O novo modelo de sociedade de média apresentado pela autora é, portanto, híbrido, conciliando a actividade comercial e não-lucrativa. Mais ainda, assegura o financiamento dos actores mediáticos congelando o seu capital e enquadrando o poder de decisão dos accionistas externos à redacção através de estatutos vinculativos. Com efeito, um grande investidor nesta sociedade de média não teria poder acrescido nem voto suplementar, ou seja, toda a pessoa poderia contribuir para o bom funcionamento daquela sociedade, beneficiando da redução de impostos -não beneficiando porém da regra da proporcionalidade: uma acção igual a um voto. No limite, a lei que institui o estatuto de sociedade de média fixaria um limite de participação na ordem dos 10% do capital para além do qual os direitos de voto progrediriam menos que a proporcionalidade da entrada de capital.
Em suma, esta sociedade de média permitiria combinar o recurso ao non profit (sector não-lucrativo) e a democratização dos accionistas, com a multiplicação do número de pequenos accionistas e importantes contributos em capital – muitas vezes necessários – por maiores accionistas que, em troca da perda de uma parte do poder de decisão, veriam os milhões de euros que entregam aos média beneficiarem de isenções de impostos. Para além disso, a sociedade de média, como sublinhado pela autora, tem a vantagem da transparência: “As reduções fiscais autorizadas a título de mecenato beneficiarão, com efeito, de maneira automática e transparente, o conjunto de meios de informação política e geral.”
Salvar os Média parte do colapso do modelo capitalista intrínseco aos média noticiosos para uma abertura a um financiamento participativo dos mesmos e, em consequência, a uma melhoria do desempenho da democracia. A proposta leva a uma diminuição da dependência do lucro – quer de financiadores quer de financiados – pelos órgãos de notícias, mas entende uma boa-vontade popular e institucional para que se torne e mantenha bem-sucedida. Resta-nos saber qual o valor que a maior parte das sociedades democráticas depositam na informação noticiosa livre, independente e pluralista. A proposta é entusiasta, sim. Mas até que ponto concretizável? A discussão está apenas a começar.
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