De entre os muitos estilos pela qual a ilustração pode viajar, o italiano Roberto Innocenti optou pelo caminho do hiper-realismo, que tão bem seguiu em álbuns como “A história de Erika”, “A menina de vermelho” ou a sua particular visão de “As aventuras de Pinóquio”, todos eles atravessados por um sentimento profundo de tristeza e o espanto pela capacidade humana de magoar o próximo.
“Rosa Branca” (Kalandraka, 2019), publicado originalmente nos anos 1980, mantém esse olhar negro sobre a história contemporânea, numa narrativa ambientada na II Guerra Mundial e no Holocausto.
Rosa Branca é uma menina alemã, que vê de repente a sua vida e a vida da sua cidade mudarem drasticamente, a partir do momento em que vê um rapaz ser detido por um grupo de soldados. O cenário de transformação é descrito por Rosa branca com a inocência da juventude, e um olhar onde reside ainda alguma poesia: “Um dia, chegou o primeiro camião e saíram de lá muitos homens vestidos de soldados. O Inverno estava a começar“.
A partir daí, torna-se um hábito ver-se crianças serem retiradas de camiões, que nunca mais reaparecem. Rosa Branca decide então investigar, “cruzando os limites da cidade até alcançar uns campos onde nunca tinha estado“, descobrindo crianças e adultos com fome, atrás de uma prisão de arame farpado.
Rosa passa a levar mais comida para a escola e a comer menos em casa, distribuindo como pode a comida junto dos mais necessitados. Na cidade todos parecem emagrecer, com excepção do presidente da câmara, numa alusão à corrupção do poder que tem atravessado décadas e gerações.
Neste álbum, o Holocausto judeu serve de fundo a um manifesto contra a guerra, onde somos confrontados com as estrelas amarelas pregadas na roupa dos condenados, o abandono de uma cidade, o desleixo dos soldados, os custos da guerra e os assim chamados efeitos colaterais, que fazem com que a chegada da Primavera não preencha o enorme vazio que engoliu uma cidade inteira.
Rosa Branca, que simbolicamente recebeu o nome de um grupo de resistência alemã contra o regime de Hitler, representa a esperança, aqui revelada com os sentimentos que a infância tem mas que, durante a viagem, tende a perder: a bondade, a inocência, a generosidade, a ausência de preconceitos.
Tal como num filme mudo, Innocenti mostra-nos o movimento histórico que vai do triunfo do Terceiro Reich à derrota do nazismo, ao mesmo tempo que recorda que o acto de resistência é cada vez mais urgente.
De formação autodidacta, Roberto Innocenti iniciou a sua trajectória artística num estúdio de animação; também trabalhou na diagramação de livros e no desenho de cartazes para cinema e teatro. Ilustrou textos de Eta Hoffmann, Charles Perrault, Oscar Wilde e Christophe Gallaz. As suas obras estão publicadas pelo mundo inteiro. Entre outras distinções, recebeu a Maçã de Ouro na Bienal de Ilustração de Bratislava, a Medalha de Prata da Sociedade de Ilustradores de Nova Iorque e o Prémio Hans Christian Andersen em 2008.
Escritor e jornalista, Christophe Gallaz estudou na Universidade de Lausanne. Trabalhou com vários meios de comunicação em França e na Suíça. A sua obra literária engloba novelas, biografias e livros infantis.
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