Decorridos mais de dez anos após a publicação original (Oficina do Livro, 2007), surge agora uma nova edição de “Rio das Flores”, de Miguel Sousa Tavares (Porto Editora, 2020), que nos narra 30 anos da história de dois irmãos e do próprio século XX.
Os dois irmãos são Diogo e Pedro Ribera Flores, netos de uma condessa sevilhana e filhos de um latifundiário alentejano, unidos pelo amor à sua Herdade de Valmonte, situada em Estremoz, e separados por maneiras muito diferentes de ver o mundo.
É com Diogo, o mais velho, que o livro começa. Em 1915, tem a mesma idade que o século e é levado pelo pai, Manuel, numa alucinante viagem iniciática a Sevilha, que marca a sua entrada na idade adulta. Poucos anos mais tarde, é enviado para estudar Agronomia em Lisboa, de modo a poder gerir melhor as terras que herdará, enquanto Pedro permanece na terra, vivendo para ela, sem sonhar com outros horizontes.
Enquanto os irmãos crescem, sucedem-se os tumultos político-sociais em Portugal e noutras partes do mundo. Pedro mantém-se espiritualmente mais próximo do pai, para quem era vital preservar “cada coisa no seu sítio, tudo familiar, tudo antigo, certo, seguro, imutável”. O patriarca nunca se conformou com a queda da monarquia e considerava que os ideais republicanos de igualdade, cidadania e educação para todos “não passavam de perigosas utopias de bem pensantes”. Seguindo o seu exemplo, Pedro congratula-se com o golpe militar que derruba a Primeira República e convence-se que o Estado Novo foi “o que de melhor podia ter acontecido a Portugal”. Tais convicções políticas não são partilhadas por Diogo, cujos desejos de liberdade e de conhecer o mundo o levam a afastar-se gradualmente, primeiro da herdade familiar e, depois, de Portugal.
Ao contrário dos homens, as mulheres não podiam partir tão facilmente. Para a maioria delas, no meio marialva retratado neste livro, a única esperança de segurança e ascensão social era o casamento, devendo viver confinadas à esfera doméstica, não por falta de capacidades, mas por tradição. Na ausência dos dois irmãos, as mulheres da herdade souberam encarregar-se “da gestão dos problemas correntes, dos trabalhos agrícolas e do pessoal”. Todavia, logo que eles voltaram, elas regressaram “ao devido lugar, que era em casa e não no campo, à frente dos trabalhos domésticos e não dos agrícolas”. Algumas adoptaram de bom grado os seus papéis, mas outras tiveram de aprender que, “se a cabeça estivesse ausente e o corpo adormecido, a vida podia ser vivida tranquilamente”.
Contudo, a vida de homens e mulheres não é “uma estrada sempre a direito”. Entre as convulsões da História, cada personagem lutará, à sua maneira, para encontrar o seu lugar no mundo, mesmo que este não seja “um lugar tranquilo”.
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