Richard Wagamese (1955-2017), membro da tribo Ojíbua, sofreu na pele o impacto das políticas assimilacionistas impostas pelo governo do Canadá às Primeiras Nações. Filho de sobreviventes dos internatos dedicados à erradicação da identidade cultural indígena, cresceu em casas de acolhimento pouco recomendáveis, de onde saiu aos 16 anos, para viver nas ruas. O gosto pela leitura, que o levou a tornar-se jornalista e escritor, desenvolveu-se graças às bibliotecas públicas, onde se abrigava do frio. Não surpreende, portanto, que a sua obra seja habitada por personagens que partilham a sua herança ancestral e se debatem com um passado violento.
Eldon e Franklin Starlight, os dois protagonistas de “Redenção” (Antígona, 2023), são caracterizados como mestiços com sangue índio. O primeiro é pai do segundo, mas entregou-o, ainda bebé, a outro homem – referido como “o velho” – para que este o criasse. Durante mais de uma década, os raros contactos de Franklin com o progenitor terminaram em amargas desilusões, mas não se pode dizer que seja infeliz. Aos 16 anos, apesar de lamentar não conhecer melhor as suas origens, não ambiciona mais do que a vida na quinta do tutor, que o ensinou a obter da Natureza o necessário para sobreviver, colhendo, pescando ou caçando. “O velho inculcara-lhe desde novo o valor do trabalho e ele gostava de trabalhar, encontrando satisfação nas tarefas da quinta e prazer nos cavalos e na livre vastidão das montanhas. […] A sua vida fizera-se de cavalgadas solitárias, abrigos construídos com abetos, fogueiras à noite, um ar de montanha tão doce e puro como água de nascente, e trilhos tão sombrios que, para enxergar melhor, ele aprendera a subir para locais conhecidos apenas dos pumas, das marmotas e das águias”.
Porém, em resposta a um apelo do pai, este jovem parco em palavras e apreciador da solidão desloca-se a uma vila industrial decrépita. Eldon tem o fígado destruído por anos de alcoolismo e, moribundo, pretende que o filho o leve à montanha, a um sítio onde em tempos sentiu paz, para lá ser enterrado “à maneira dos guerreiros”, embora não tenha sido educado nas tradições índias. Entretanto, pelo caminho, tem memórias para partilhar: histórias difíceis de contar, que carrega há demasiado tempo, sobre uma adolescência de trabalho árduo, a guerra de trincheiras na Coreia, a vida de jornaleiro itinerante, o amor pela mãe de Franklin e a identidade do velho.
A prosa do autor é magnífica, sobretudo nas descrições das vastas florestas frias e montanhosas que o par atravessa, impregnadas de cheiro a resina e habitadas por veados, coiotes e ursos. Há uma beleza assombrosa, tanto na representação da Natureza enquanto espaço sagrado de paz, como nas referências aos seus perigos e às formas como homens e mulheres podem utilizar os seus frutos. Mas também divisamos uma poesia triste na narrativa de “uma vida com pontos de referência que apenas estabeleciam as fronteiras da dor e da perda, da angústia e do arrependimento”, em busca de uma última oportunidade de apaziguamento.
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