Em “Quem Tem Medo dos Santos da Casa” (Dom Quixote, 2025), romance de Sara Duarte Brandão, conhecemos a libertina Maria Teresa. Alguém que representa, por um lado, as mulheres emancipadas e, por outro, as que se viram reféns de casamentos mal arranjados.
Esta personagem, nascida e criada numa pequena aldeia piscatória, era uma jovem rebelde, que ousava ler e pensar para além dos sermões que escutava na igreja. Maria Teresa duvidava do poder de um avé maria e, se acendia velas, era para pedir um futuro diferente daquele que previa. Refugiava-se na biblioteca, ao lado do seu avô, ou no topo de uma árvore, sempre acompanhada de muitos e bons livros que escondia nas suas saias.
Toda a trama se passa numa casa tremendamente religiosa, onde existia o pão e se dava a benção antes do jantar, mas não havia amor ao próximo ou respeito pelas vontades do outro. As mulheres estavam à mercê das ambições dos seus pais e maridos, que sonhavam em nome das mesmas e desenhavam o seu destino em prol do estatuto e do bom nome da família.
Por não obedecer às etiquetas que lhe eram impostas, Maria Teresa era uma pecadora aos olhos dos mais beatos. Se, só por ler, São Pedro lhe abria a porta do inferno, pensar, questionar e não querer casar ter-lhe-ia valido um bilhete de (apenas) ida para o hotel do diabo. Mas, ainda que a sua natureza fosse de uma índole distinta das mulheres que a rodeavam, o seu destino não se revelou diferente.
A personagem principal desta bela obra, que sempre fora livre como um pássaro, vê-se presa a um homem rico que não amava. O contrato (ou casamento) é selado com chá e bolachas caseiras, uma receita pouco provável que desfaz a essência de Maria Teresa em migalhas. Torna-se uma mulher de um homem, uma fada de um lar que não é o seu.

Ser feliz era, para si, beijar com o olhar um homem simples, respeitoso e pobre, com o qual nunca poderia casar. Adílio, o pescador, deixava o seu pensamento ondular como um mar agitado e o seu coração palpitar pela liberdade. Casar com outro foi o naufrágio do seu barco, o afundar da sua esperança, uma promessa de infelicidade eterna assinada num papel de um homem omnipresente e omnipotente, que jamais alguém conhecera.
Nos pequenos capítulos de “Quem Tem Medo dos Santos da Casa”, vivenciamos com grande intensidade a história de Maria Teresa, que espelha a de muitas outras mulheres, forçadas a casar sem amor por interesses económicos e sociais. Assistimos à morte da sua esperança como carpideiras voluntárias, rezando (sem o cunho religioso) para que a liberdade nunca nos falte.
Sara Duarte Brandão apresenta, de forma brilhante, pequenos fragmentos da vida de Maria Teresa, desafiando a verdade para um duelo de onde sabemos que não irá sair vencedora. Ode às mulheres que nunca tiveram oportunidade de aprender a escrever – ou ter a liberdade de decidir que passo dar a seguir – “Quem Tem Medo dos Santos da Casa” é uma obra de poesia que ousou ser prosa.
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