• Mil Folhas
  • Música Com Cabeça
  • Cine ou Sopas
deusmelivro
Quarteto de Havana, Leonardo Padura, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica, Um Passado Perfeito, Ventos de Quaresma, Morte em Havana, Paisagem de Outono
Mil Folhas 0

“Quarteto de Havana” | Leonardo Padura

Por Luísa Velez · Em 31/03/2022

A melhor descrição de Mário Conde, tenente da polícia cubana, nascido e criado em Havana e protagonista não herói desta obra, é feita pelo seu grande amigo Carlos Magricela, no terceiro livro do Quarteto de Havana – no original designado por “Máscaras” e, na edição portuguesa, traduzido como “Morte em Havana”: ”dizia sempre que Conde era um cabrão sofredor, um nostálgico incorrigível, um masoquista por conta própria, um hipocondríaco à prova de choque e o tipo mais difícil de consolar deste mundo”.

Nas palavras do próprio Mário Conde, desta vez em “Vento de Quaresma” – o segundo livro do quarteto -, descobrimos o melhor auto-retrato de um polícia consciente: “Ninguém imagina como são as noites de um polícia. Ninguém sabe que fantasmas o visitam, que ardores o agridem, em que inferno cozinha em lume brando – ou envolto em chamas agressivas. Fechar os olhos pode ser um desafio cruel, capaz de despertar aquelas penosas figuras do passado que nunca abandonam a memória e voltam, noite após noite, com a persistência incansável do pêndulo. As decisões, os erros, os actos de prepotência e até as fraquezas da bondade regressam como culpas impagáveis a uma consciência marcada por cada pequena infâmia cometida no mundo dos infames”.

Quarteto de Havana, Leonardo Padura, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica, Um Passado Perfeito, Ventos de Quaresma, Morte em Havana, Paisagem de OutonoMário Conde é o porta voz de Leonardo Padura para nos mostrar a sua amada Cuba, a vida e a sociedade cubanas, fora do discurso oficial e da propaganda do regime político. Aliás, Padura, escritor premiado e distinguido em vários géneros e formatos literários, fala claramente das vantagens do género policial, que declara nada ter de menor e ser detentor da grande virtude de nos colocar do lado mais obscuro da sociedade. É esta realidade bem sua conhecida que Padura apresenta num quadro repleto das frustrações, esperanças e dos desencantos da sua geração.

Se o Quarteto de Havana fosse uma peça de musica clássica, diríamos que a abertura em “O Passado Perfeito” foi feita com a melhor descrição de uma ressaca, resultante de uma noite que não seguiu a máxima preventiva do risco letal da ingestão de uma misturada etílica – cerveja, vinho tinto (“um vinho romeno meio fatela mas sofrível”… e um litro de rum): “Não precisou de pensar para compreender que o mais difícil seria abrir os olhos. Aceitar nas pupilas a claridade da manhã que resplandecia nos vidros das janelas e pintava com a sua luminosidade gloriosa todo o quarto, e saber então que o ato essencial de abrir as pálpebras é admitir que dentro do crânio assenta uma massa escorregadia, disposta a empreender uma dança dolorosa ao mais pequeno movimento do seu corpo”.

Há, também, o humor perspicaz e arrasador sobre a condição humana: “O Coelho não consegue evitar que os dentes lhe fiquem de fora, sabe Deus se estaria a rir, com aqueles dentões nunca se sabia, também era magérrimo e tinha escolhido a licenciatura em História como primeira opção e Ensino de História como segunda, e andava por esses dias convencido de que se os ingleses não tivessem saído de Havana em 1863, Elvis Presley se calhar teria nascido em Pinar del Río ou em River Pine City” (em “Passado Perfeito”).

Abunda a crítica social e política, onde não faltam as alusões ao modo e às condições de vida do povo cubano: “o cortiço em que cada aposento é transformado em casa independente”, a caderneta de abastecimento que faz de Josefina (mãe de Magricela) uma verdadeira heroína na cozinha e na mesa; ou os bairros dos ricos, “o êxito daqueles homens muito ricos – que não paravam de se surpreender por o serem, e tanto, com apenas três golpes de audácia política, financeira ou mesmo contrabandista, necessitava de tal forma da evidência que todos se empenharam em dar uma forma eterna à sua fortuna, e compraram todos os talentos necessários para perpetuar a sua vitória e magnificaram-na em pedras, ferros e vidros capazes de criar as mansões mais deslumbrantes da cidade” ( em “Morte em Havana”).

Quarteto de Havana, Leonardo Padura, Porto Editora, Deus Me Livro, Crítica, Um Passado Perfeito, Ventos de Quaresma, Morte em Havana, Paisagem de OutonoEncontramos ainda a censura, sentida logo desde a escola, em que o atrevimento de uma revistinha de dez folhas, que tinha com o lema “0 Comunismo será uma aspirina do tamanho do Sol?”, fez com que não visse a luz da tinta e do sol. (em “Um Passado Perfeito”). Censura e opressão vão figurando ao longo deste Quarteto, como em “A Morte em Havana”: “A revista e o atelier foram encerrados, acusando-os de escrever relatos idealistas, poemas evasivos, críticas inadmissíveis, histórias alheias às necessidades actuais dos país, embrenhado na construção de um homem novo e de uma sociedade nova”.

Não falta uma abordagem ao preconceito, às questões de género que, à primeira vista, parecem não passar de um machismo vulgar e visceral, mas que depois convivem com explicações para o travestismo: “por isso lhe pareceu lógica a identificação do travestismo humano e da camuflagem animal, já não para caçar ou defender-se, mas para executar um dos sonhos eternamente perseguidos pelo homem: o desaparecimento” (em “Morte em Havana”).

O Quarteto de Havana é tudo isto e muito mais, servido com o acompanhamento de uns crimes. Um grande banquete literário cubano, para degustar, sentir e atacar. Para os que ficam ou que querem mesmo tudo o que há para ler com o Tenente Mário Conde, foram acrescentadas à tetralogia outras duas obras: “Adios, Hemingway” e “La neblina del ayer”.

—

Quarteto de Havana (Porto Editora)
Volume I : Um Passado Perfeito (1991) e Ventos de Quaresma (1994)
Volume II – Morte em Havana (1997) e Paisagem de Outono (1998)

CríticaDeus Me LivroLeonardo PaduraMorte em HavanaPaisagem de OutonoPorto EditoraQuarteto de HavanaUm Passado PerfeitoVentos de Quaresma

Luísa Velez

Pode Gostar de

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito, Mil Folhas

    “Uzumaki” | Junji Ito

  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey, Mil Folhas

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas, Mil Folhas

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

Sem Comentários

Deixe uma opinião Cancelar

Siga-nos aqui

Follow @Deus_Me_Livro
Follow on Instagram

Mil Folhas

  • Uzumaki, Deus Me Livro, Crítica, Devir, Junji Ito,

    “Uzumaki” | Junji Ito

    03/06/2025
  • Deus Me Livro, Crítica, Fábula, Lendas das Estrelas, Mitologia e Sabedoria do Mundo, Mitologia e Sabedoria dos Céus, Claire Cock-Starkey,

    “Lendas das Estrelas: Mitologia e Sabedoria dos Céus + Mitologia e Sabedoria do Mundo” | Claire Cock-Starkey

    02/06/2025
  • Marcador, Deus Me Livro, Crítica, Império de Tempestades, Torre da Alvorada, Sarah J. Maas,

    “Império de Tempestades” + “Torre da Alvorada” | Sarah J. Maas

    02/06/2025
  • Boa Noite Punpun 3, Boa Noite Punpun, Inio Asano, Deus Me Livro, Devir, Crítica,

    “Boa Noite, Punpun 3” | Inio Asano

    02/06/2025
  • Eu (Odeio) Adoro Livros, MariaJo Ilustrajo, Deus Me Livro, Fábula, Crítica,

    “Eu (Odeio) Adoro Livros” | MariaJo Ilustrajo

    30/05/2025
Acha o Deus Me Livro diferente? CLIQUE AQUI.

Archives

  • June 2025
  • May 2025
  • April 2025
  • March 2025
  • February 2025
  • January 2025
  • December 2024
  • November 2024
  • October 2024
  • September 2024
  • August 2024
  • July 2024
  • June 2024
  • May 2024
  • April 2024
  • March 2024
  • February 2024
  • January 2024
  • December 2023
  • November 2023
  • October 2023
  • September 2023
  • August 2023
  • July 2023
  • June 2023
  • May 2023
  • April 2023
  • March 2023
  • February 2023
  • January 2023
  • December 2022
  • November 2022
  • October 2022
  • September 2022
  • August 2022
  • July 2022
  • June 2022
  • May 2022
  • April 2022
  • March 2022
  • February 2022
  • January 2022
  • December 2021
  • November 2021
  • October 2021
  • September 2021
  • August 2021
  • July 2021
  • June 2021
  • May 2021
  • April 2021
  • March 2021
  • February 2021
  • January 2021
  • December 2020
  • November 2020
  • October 2020
  • September 2020
  • August 2020
  • July 2020
  • June 2020
  • May 2020
  • April 2020
  • March 2020
  • February 2020
  • January 2020
  • December 2019
  • November 2019
  • October 2019
  • September 2019
  • August 2019
  • July 2019
  • June 2019
  • May 2019
  • April 2019
  • March 2019
  • February 2019
  • January 2019
  • December 2018
  • November 2018
  • October 2018
  • September 2018
  • August 2018
  • July 2018
  • June 2018
  • May 2018
  • April 2018
  • March 2018
  • February 2018
  • January 2018
  • December 2017
  • November 2017
  • October 2017
  • September 2017
  • August 2017
  • July 2017
  • June 2017
  • May 2017
  • April 2017
  • March 2017
  • February 2017
  • January 2017
  • December 2016
  • November 2016
  • October 2016
  • September 2016
  • August 2016
  • July 2016
  • June 2016
  • May 2016
  • April 2016
  • March 2016
  • February 2016
  • January 2016
  • December 2015
  • November 2015
  • October 2015
  • September 2015
  • August 2015
  • July 2015
  • June 2015
  • May 2015
  • April 2015
  • March 2015
  • February 2015
  • January 2015
  • December 2014
  • November 2014
  • October 2014
  • September 2014
  • August 2014
  • July 2014
  • Contacto