“Levou-nos além do humano versus máquina; era humano com máquina, uma entidade pura, um bioalgoritmo.”
Imaginemos um mundo em que vivemos todos conectados, não através de telemóveis ou de computadores, mas na nossa cabeça. Uma era de acesso instantâneo ao conhecimento total, sem ser preciso pensar ou sair do lugar, com um simples piscar de olhos. Um pequeno chip implantado no cérebro dos bebés, ainda antes de nascerem, faz com que todos os problemas da sociedade pareçam estar resolvidos porque tudo fica registado no Feed, num ‘backup’ constante de pensamentos e memórias, partilhadas instantaneamente. Falamos uns com os outros dentro da nossa cabeça, conseguimos reviver as nossas memórias e levar os outros a vivê-las também, sentindo as emoções como se fossem suas.
Neste ambiente futurista a vida parece simples, até ao dia em que o Feed desaparece, num Colapso. O presidente dos Estados Unidos é assassinado, em directo para todo o mundo, o Feed cai e, com ele, toda a civilização desaba. Esta é a premissa de “Quando a Luz se Apaga” (Topseller, 2018), um livro pós-apocalíptico de Nick Clark Windo, que leva o leitor a reflectir sobre as consequências sociais e ambientais a longo prazo de um mundo digitalmente conectado e viciado.
Kate e Tom são as personagens principais que levam o leitor a acompanhá-los na busca pela sobrevivência e na construção de uma nova forma de vida, tendo como esperança e motivação a filha Bea, nascida no pós-Colapso. No meio da destruição, grupos de sobreviventes espalham-se, vivem desconfiados uns dos outros, paranóicos e sem rumo, num “medo desconectado”. Serem “pirateados enquanto dormem” — e depois matar — é maior risco a temer nesta atmosfera sobrenatural criada pelo escritor britânico.
A conectividade dá lugar a um “vazio gigantesco e horrendo”, ao silêncio, à aparente lentidão. Como se passa da dependência total do online para o offline completo? Como aprender a relacionar-se com os outros, quando até a linguagem falha? Como lidar com as emoções, viver a amizade e a confiança num cenário de destruição e perigo eminente? Sem livros, sem computadores, sem ninguém a lembrar-se de conhecimentos básicos, de como funcionam as coisas mais simples, como se ergue a Humanidade? Há limites para a ética ou é legítima a “superação de Deus”? A força deste título está em estimular a reflexão do leitor sobre estas questões.
Com um conceito original, que combina a atmosfera distópica de Walking Dead com o potencial destrutivo da tecnologia de Black Mirror, “Quando a Luz se Apaga” é um livro que vai agradar aos fãs de distopias. Ainda assim, o leitor fica por vezes a sentir falta de mais desenvolvimento deste mundo e de descrições mais aprofundadas. As revelações e reviravoltas vão surpreender, mas só lá para o fim da trama, depois de um início de leitura mais lento em que se demora a entrar na história por nem sempre se perceber o que está a acontecer, com as explicações a surgirem depois aos poucos.
O livro vai ser adaptado para série pela Virgin e pela Amazon, com o título The Feed.
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