“Sei dizer perfeitamente quando tudo começou… no dia em que ia morrendo pela terceira vez”. É desta forma enigmática e algo transcendental que tem início “Pulp” (G. Floy, 2020), uma novela gráfica assinada pela quase inseparável dupla Ed Brubaker e Sean Phillips, que a meias já nos brindaram com gemas como Fatale, Criminal ou The Fade Out, obras quase sempre atravessadas por um negrume e uma amarga melancolia, com alguns ecos dos romances de Raymond Chandler protagonizados pelo enorme Philip Marlowe.
Max Winter é um escritor freelancer de westerns e histórias pulp caído em desgraça, aconselhado pelo director da Six Gun Western, a revista que lhe compra os originais a preço de saldo, a seguir a fórmula: nada de acção no México, cowboys reformados ou pouco tiroteio. Max mistura, nas suas histórias, ficção com realidade, recordando os tempos longínquos em que foi um temido assaltante, antes de mergulhar numa existência onde se limita a não pensar para além da renda seguinte.
A possível salvação acaba por chegar de um lugar inesperado: Jeremiah Goldman, um dos Pinkertons que lhe havia dado caça 40 anos antes, propõe-lhe um assalto “aos cabrões que o merecem” – os nazis -, levando-o a um regresso ao passado do qual não haverá possibilidade de retorno.
Neste mundo que pertence aos monstros, Brubaker assenta a trama em duas linhas temporais e ficcionais, cada uma desenhada por Sean Phillips com um diferente traço e coloração, que se vão ligando à medida que Max Winter enfrenta os seus fantasmas decidindo arrancar um último e decidido sopro à vida. Afinal, “quando se viveu tanto tempo, os nossos silêncios falam tanto quanto as nossas palavras”.
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