60 Anos. Foi este o tempo de vida da mais famosa colecção de bolso que tomou conta das livrarias portuguesas, entre 1947 e 2007. Ao todo, a Colecção Vampiro viu serem publicados 703 (!) títulos, para loucura e contentamento dos amantes de policiais.
Nos dias que correm, onde cada livro que vem do frio é recebido de braços abertos como se as temperaturas negativas fossem garantia de um bom policial, a boa notícia foi anunciada pelo grupo Porto Editora, que recentemente comprou a chancela Livros do Brasil. Aproveitando o hype do policial, bem como a chama pelo policial clássico que tem ardido um pouco em todo o mundo – como uma espécie de delírio vynilesco -, o grupo avançou para a reedição da Colecção Vampiro, casa onde viveram ou simplesmente pernoitaram alguns dos mais conceituados escritores de policiais como Agatha Christie, Dashiell Hammett, Stanley Gardner, Raymond Chandler ou Dorothy L. Sayers, entre muitos outros. Colecção que não seguirá a ordem original, e que consistirá numa selecção feita entre os mais de setecentos volumes.
As capas, porém, mantêm o estilo retro e vintage, e o preço por volume é também bastante convidativo: 7,70 euros. As traduções irão recuperar as antigas versões, revistas e apresentando o texto integral – conta-se que, por motivos de paginação, certos cortes foram feitos nas edições originais. A ideia será publicar um volume por mês, sendo que na recente edição da Feira do Livro de Lisboa foram já lançados os dois primeiros títulos da nova Vampiro: “Os Crimes do Bispo“, de S. S. Van Dine, e “Vivenda Calamidade“, de Ellery Queen.
Em “Os Crimes do Bispo”, um homem conhecido como Cock Robin aparece assassinado com uma flecha do peito. Sentindo-se algo perdido na investigação, John Markham, procurador do distrito judicial de Nova Iorque, chama para a investigação o detective amador Philo Vance, que possui um sexto sentido para descobrir o que mais ninguém parece conseguir ver.
Vance aponta, desde logo, a ligação a uma lengalenga infantil, que diz algo como isto: “Quem matou Cock Robin? Eu, disse o pardal. Com o meu arco e flecha matei Cock Robin.” Se a isto somarmos o facto de o principal suspeito se chamar Sperling – palavra que em alemão significa pardal -, tudo aponta para que o assassino seja alguém fixado na imagética infantil. Assassino que, após cada um dos crimes, envia cartas à imprensa, todas com a assinatura “O Bispo”. A trama, como manda o bom policial, está cheia de mortes, uma mão-cheia de suspeitos e alguns detalhes muito bem encaixados, como as referências ao xadrez ou ao teatro.
“Vivenda Calamidade”, o segundo título da nova Colecção Vampiro, pertence àquela que será muito provavelmente a primeira dupla a escrever livros policiais a quatro mãos – Frederic Dannay (de seu verdadeiro nome Daniel Nathan) e o seu primo Manfred B. Lee (ou melhor, Manford Lepofsky) -, imortalizada para a história da literatura policial como Ellery Queen.
Ellery Queen, ele próprio a personagem central do livro, decide deixar Nova Iorque para iniciar a escrita do seu próximo romance, acabando por ficar a morar em Wrightsville, uma típica cidade provinciana, em busca de alguma tranquilidade (e inspiração). Com os hotéis cheios, Ellery decide alugar uma casa que todos os habitantes vêem como assombrada, uma vez que terá sido ela a responsável pela separação, na véspera do casamento, de Nora Wright – pertencente a uma das mais influentes famílias da zona – e Jim Haight. Três anos depois e com Ellery Queen comodamente instalado convicto de que algo de estranho está por chegar, Jim regressa inesperadamente, casando com Nora poucos dias depois.
Também poucos dias depois, Ellery e Pat – irmã de Nora – descobrem aquele que parece ser um plano de Jim para envenenar Nora com arsénico, algo que parece uma certeza quando num elegante cocktail de passagem de ano alguém acaba misteriosamente assassinado no lugar de Nora. Ellery, porém, não está muito convencido da culpa de Jim, ainda que todos os indícios apontem na sua direcção.
Trata-se de um livro com uma grande riqueza psicológica, onde as personagens estão muito bem construídas e onde a trama está montada sobre uma estrutura notável, que navega das relações pessoais vividas entre paredes para toda a teia processual e estratégica dos tribunais. E que, no final, revela toda a destreza mental e cirúrgica de Ellery na resolução de um crime que, para felicidade comum, deverá ficar no segredo dos deuses.
Para os amantes dos grandes policiais, com tramas desenhadas a régua e esquadro, uma boa dose de humor e ironia e uma passerelle de mortes bem vestidas, mora aqui uma boa razão para todos os meses comprarem pelo menos um livro. Protejam bem esses pescoços, os vampiros estão de volta.
1 Commentário
Essa coleção já não havia sido reeditada uma vez? Lembro-me que o livro OS Mortos Podem VOltar saiu pela primeira vez em 1956 e depois novamente em 1997, é isso mesmo?
Até mais.