“Professor Unrat ou o Fim de um Tirano” (E-Primatur, 2023) foi escrito por Heinrich Mann no início do século passado, numa altura em que a Alemanha vivia plenamente instalada na Belle Époque, com uma sociedade fastigiosa, uma estratificação estrondosa e um desconcerto político e moral que foi prontamente aproveitado para legitimar posteriores conflitos e regimes totalitários. Quando foi lançado em 1905 gerou anticorpos, provocando uma certa moral estabelecida, suscitando uma grande incomodidade à sociedade alemã, revelando o poder do discurso e da aparência social em detrimento da ética e da moral mais convencional.
Este foi o romance de estreia de Heinrich Mann (1871-1950), filho de um abastado comerciante alemão e de uma escritora brasileira, uma das famílias literárias alemãs mais famosas, constituída por intelectuais e escritores – nomeadamente o irmão Thomas Mann, Nobel da Literatura em 1929. Heinrich foi o primeiro da descendência a abraçar a carreira de escritor, revelando-se radical nas suas obras e nas suas posições políticas, com grande exposição social, persistindo na sátira da sociedade alemã.
“A moralidade é vantajosa para aquele que, como não a possui, consegue dominar facilmente aqueles que não podem passar sem ela.“
Neste seu primeiro romance, através de Raat, o professor chamado pelos seus alunos pela alcunha de “Unrat” – que significa lixo ou sujidade -, Heinrich Mann utiliza um jogo de palavras para representar o gozo e o desrespeito dos alunos e da sociedade face à tirania de quem tem algum tipo de poder, neste caso o professor. Unrat vivia dominado por uma perturbada e torturante sede de vingança, perseguindo os alunos e exercendo sobre eles o poder déspota resultante de uma frustrante existência. Ao mesmo tempo, suscita comiseração, raiva e uma generalizada hostilidade à sua pessoa. Ao carácter lúgubre de cenas na sala de aula e nos locais onde este vive, segue-se uma história de volúpia vivida a partir do momento em que Unrat cai de amores por uma cantora de cabaret. Do tirano irrompe, então, um anarquista. O seu envolvimento com a artista, em disputa com os seus alunos de condição social mais elevada que também a cortejavam, granjeou-lhe ódios acrescidos, acabando ainda mais ostracizado. Entretanto, afastado do ensino e totalmente dedicado a uma vida de especulação, jogo e encenação social, vê-se finalmente acolhido por aqueles que viram nele uma oportunidade de se afirmar contra a moral estabelecida.
A edição de “Professor Unrat” pela E- Primatur é acompanhada pelo valor acrescentado de uma Cronologia e de um Posfácio, que asseguram ao leitor a oportunidade de contextualização e interpretação histórica da obra. Na capa, as silhuetas pertencem a Marlene Dietrich e Emil Jannings, os protagonistas de “O Anjo Azul (1930), de Josef von Sternberg.Uma adaptação cinematográfica que teve um papel fundamental no reconhecimento de “Professor Unrat” como obra-prima da literatura alemã do século XX, e que lançou Dietrich para o estrelato.
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