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Poemas Escolhidos, Assírio & Alvim, Deus Me Livro, Ron Padgett
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“Poemas Escolhidos” | Ron Padgett

Por Lalma Domus · Em 06/10/2018

Em “Poemas Escolhidos“ (Assírio & Alvim, 2018), de Ron Padgett, estamos perante uma antologia poética cuja selecção e articulação de poemas foi elaborada por Rosalina Marshall. Nesta obra, realizada com colaboração do autor, o leitor pode cotejar o poema na versão original com a sua tradução.

Ron Padgett é um poeta nascido em Tulsa, Oklahoma, a 17 de Junho de 1942. Comummente associado ao grupo de escritores que formam a segunda geração da New York School, sempre apoiou a colaboração artística em vários momentos da sua carreira. Um dos projectos que soa certamente familiar é a sua colaboração cineasta em parceria com Jim Jarmusch no filme Paterson (2016). No poema Cortina há um paralelo esboçado entre uma cortina e o próprio sujeito poético que aplaudimos: …qualquer momento poderei sentir uma dor paroxística na cabeça e juntamente com a cortina cair e tombar morto- isto podia acontecer agora mesmo! Mas não, a cortina fica no sítio e eu estou aqui de pé e a cortina ainda está óptima. Revela um aceitar pragmático da condição humana (atendendo à idade que lhe pertence), que apimenta com uma fervura de continuação e esperança de viver. Pelas inúmeras referências nos poemas, podemos igualmente deduzir, enquanto característica definidora, o enorme apreço do poeta por “chá de jasmim”.

Há um evidente experimentalismo poético, no que se refere tanto às métricas, como à estrutura das estrofes. A divisão entre estrofes é dificilmente justificada se não pela intenção rítmica dos poemas, como reparamos em Por um Momento na passagem da primeira estrofe: “É engraçado como se te desprenderes das coisas”, para a segunda, “elas voltam a ti. Ou seja, às vezes. Então”, e assim por diante. A vivacidade em vários poemas é nos dada pelas onomatopeias de uso deliberadamente acentuado, como em Composição no Gaio Azul com a perseguição do hedonismo emerge boink das nuvens homogéneas e um assumir dos estrangeirismos como possibilidades criativas que não nos incomodam porque vamos embalados em conforto.

Denota-se um imperturbável sentido de humor, enquanto ingrediente secreto da receita poética de Padgett, como em …ser um homem a conduzir… meu corpo diverte-se enquanto eu viro e faço curvas… Nat “King” Cole diz-me que sou inesquecível… em A Fuga das Flores ou eu não me sinto 99 por cento chimpanzé em Os Animais e a Arte. Para quem gosta de poesia, mas também para quem não gosta, recomenda-se vivamente a leitura de Como Ser Perfeito enquanto enumerar irónico, mas prazenteiro de desconstrução descomplicada do existir diário.

Ainda que o sujeito poético pareça dar a entender que grandes palavras são aquelas sem significados no poema Lousiana Perch muito agradecemos o constante uso de uma linguagem acessível que nos faz cair na “ratoeira” da transparência e da compreensão. A informalidade poética (evidenciada na introdução por Rosalina Marshall) é uma das muitas características que podemos enumerar, e que facilita o metamorfosear da posição psicológica espelhada no poema em nossa, no coração e na mente. As palavras são maioritariamente claras e precisas. Não só a linguagem é simples, como a mesma simplicidade é com frequência usada para expor a realidade, como Elas estão apenas lá em baixo a ser o que são em É Bom. A própria capa com uma pintura de El Lissitzky reflecte de uma forma perfeita a ideia que subjaz a toda a escrita descomplicada do poeta.

Os poemas de Ron Padgett que se apresentam nesta “colectânea” são uma visita a uma exposição de prosa poética, haikus, poemas curtos e ainda outros que podemos apelidar de “poemas-viagem”. Estes últimos divergentes do dito “normal” (se nos permitirem ter uma perspectiva da poesia tão “quadrada”) por serem um desejo criativo em passeio por ruas de pensamento que seguimos no momento presente. Relativamente aos haikus e outros poemas curtos podemos com certeza ficar fascinados com o efeito que produzem: dão vontade de respirar, ter calma no existir e fabricam geralmente um sorriso inesperado. Há uma beleza muito específica na simplicidade das pequenas, mas realistas mensagens. Queremos repeti-las para ecoarem mentalmente e serem dogmas do pensamento. Em Método reconhecemos os referidos “poemas-viagem”: Enquanto o meu método, creio que o chamaria assim, é começar e ir onde o poema parece conduzir, às vezes não leva a lado nenhum apenas a um beco sem saída e quando me viro a rua desapareceu e encontro-me sentado num quarto. Às vezes leva a algum lugar em que não tenho qualquer interesse em estar ou a forma como cheguei lá é artificial e tonta. Sentimos os toques de poesia surrealista, no entanto, pela sinceridade e realismo que o sujeito poético resplandece, não chega a haver “caos” porque conseguimos observar o fio do raciocínio, associar ideias e conformar com a dispersão mental.

Como refere Rosalina Marshall na introdução, com a “ocorrência do poema no momento do seu acontecimento” temos o fascinante privilégio do sentimento de “presente”. As construções frásicas são o nosso “agora”, o que traz implicitamente uma experiência muito próxima e intimista. No último poema desta “colectânea”, por exemplo, temos, Fecha os teus olhos por um momento, meio minuto, talvez, e depois abre-os e continua a ler. Vou fechar os meus também. Bendita sorte esta de sentir pertencer. Os poemas situam-se em lugares que reproduzem espaços, que, por sua vez, transformam sentimentos. Funcionam como mudanças conceptuais de espaço físico e psicológico. Há uma co-dependência existencial entre o poeta e o poema: o poeta é o “criador” do poema, mas o poema desloca-se em espaços que o criam ou divagações que o definem a si mesmo.

Poemas Escolhidos, Assírio & Alvim, Deus Me Livro, Ron Padgett

Estes poemas são um trabalho que despe o pretensiosismo e o elitismo vocabular, com descrições dos momentos em forma de relatório visual e apelo aos sentidos enquanto lidar carnal com o estar. Temos uma perspectiva crítica mas toldada por um raciocínio puro, natural e fáctico. A exemplificar, contamos como figurativo “Varrer” utilizado nesta “colectânea”, no mínimo, duas vezes (gosto de varrer o chão em O Varredor e o que eu quero é esquecer tudo o que alguma vez soube sobre poesia e varrer a caruma em Varrer), enquanto movimento simbólico aspirante a divagações metafóricas, o invocar de orientações espaciais, como …ulmeiro cuja verticalidade era silenciosa…. e o uso directo de ajudas visuais (isto é, desenhos animados em banda desenhada, por exemplo, ou simples imagens geralmente apelativas ao público juvenil).

Em vários poemas há uma valorização venerada à Calma (Estás aqui- e se relaxares por um momento as tuas costas e outras partes vão chegar e tu, juntamente com elas, podes ser um pouco de felicidade em Poema). Esta apologia pela respiração tranquila facilmente tomamos como desejo embutido na essência de todo o ser-humano, impulsionando a empatia. Apesar da calma, parece haver uma múltipla personalidade do sujeito poético que se concentra numa constante “procura do novo”. Pulsante a escrever, queremos sentir a sua paixão de viver e o subentendido optimismo. Em Sozinho mas não Só sentimos o culminar da perspectiva positiva de viver do sujeito: Não estavas só no pensamento de estar só. Momentos ou situações vulgarmente consideradas dolorosas são tocadas ao de leve pela mão das palavras de Ron Padgett: a dor é suavizada pela “viagem” acima referida e por arquétipos que, até ao leitor, permitem divagações sorridentes e “não estacionares” em praias de tristeza (saúdo esta vida que levo em Ode aos Boémios). Transmite um optimismo não eufórico, porque aceitante. O amarelo é a simplicidade, o vermelho é a complexidade e a poesia de Padgett é laranja: demonstra a simbiose de uma lucidez existencial com um aparente abraçar da realidade.

Como referido, a tradução destes “Poemas Escolhidos“ é realizada, também, por Rosalina Marshall. A elevada informalidade poética é captada pelas palavras selecionadas na tradução, nomeadamente no traduzir de “nice”, para “porreiro” em A partir de Lorca. Por outro lado, temos que Standing in the bathroom peeing é A fazer chichi de pé na casa de banho: verificamos dificuldades em coadunar porreiro com chichi, no registo deste sujeito poético. Ainda assim, considerando a dificuldade crónica que a tradução poética implica, jubilamos com o esforço.

Aconselha-se profundamente a leitura de “Poemas Escolhidos” a quem esteja a precisar de uma brisa de racionalidade optimista para os dias melancólicos que se aproximam – e para quem quer leves palavras flutuantes para espicaçar o cérebro!

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Lalma Domus

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