“Património Cultura: Realidade Viva” (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2020) é um ensaio assinado pelo professor Guilherme d’Oliveira Martins, que inicia com uma citação de Italo Calvino, um elogio às cidades, à beleza que nelas habita e ao desejo de viajar para as conhecer.
“Etimologicamente património tem a sua origem em duas palavras latinas, patres e munus, que significam “pais” e “serviços”, ou seja, trata-se de uma ação posta ao serviço do que recebemos dos nossos pais”. O património deverá ser entendido como um tema do presente, que estima e respeita o passado e projecta o futuro. Ou seja, “não é apenas o passado que importa, mas sim uma responsabilidade presente que renova e atualiza a fidelidade à herança recebida”.
O autor do ensaio apresenta-nos uma nova perspectiva do conceito de património cultural amplo e transversal, marcando presença em diferentes geografias e apelando ao acto de cuidar. Cuidar das cidades e seus monumentos, da natureza, das bibliotecas, do incentivo à leitura e do poder da literatura, (re)lendo e valorizando as preciosas palavras de Padre António Vieira, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena, José Tolentino Mendonça, Alexandre O’Neill, Orhan Pamuk ou Flaubert, entre outros.
Inquietamo-nos. Pensamos a nossa existência individual. Quem somos, como povo e como pessoas? Qual o valor da nossa língua? Como disse o poeta, “minha pátria é a língua portuguesa”. A língua materna assume-se como vivência e identidade, “é o domínio da língua, das palavras e do respeito mútuo que está em causa. Afinal, dizer bem a língua as suas palavras é um ato elementar de dignidade, de cidadania e de sede de compreensão e de sentido”.
Falar de património cultural é recordar Santo Agostinho e o seu entendimento sobre o tempo. O filósofo afirmou que “o tempo está na mente humana, tendo criado com o homem, que espera, considera e recorda”.
Já o passado é o tempo que se afasta de nós, mas que insistimos em preservá-lo. Não o podemos nem o devemos esquecer, pelo contrário, deveremos fazer dele o grande mestre das nossas vidas. Preservar o tempo é guardar memórias e, simultaneamente, uma forma de “cuidar do que recebemos”, não deixando as herança de bens materiais e imateriais ao abandono. É uma forma de nos relacionarmos com a História, quer com acontecimentos unificadores e tranquilos, quer com outros, mais conflituosos e violentos, que nos obrigam a (re)pensar fanatismos, intolerância, alteridade, pluralismo e diversidade. Cuidar da memória é cuidar de nós, da nossa identidade.
Numa sociedade onde se pensa que tudo é passível de ser comprado, urge implementar políticas públicas de cultura, para defender o conceito de património cultural, material e imaterial enquanto conceito de responsabilidade partilhada. Urge pensar o património comum, a cultura como valor e, neste sentido, o professor Guilherme d’Oliveira Martins menciona legislação e recorda algumas organizações e comissões, nacionais e internacionais, que trabalham cooperativamente com um único objectivo: proteger valores arquitectónicos, bens culturais ou naturais, património material ou imaterial.
No final da leitura deste ensaio ficamos esclarecidos sobre a opinião do autor: o património cultural não é um tema do passado, mas sim do presente e do futuro, que diz respeito não só aos monumentos, tradições e vivências mas, também, às ciências, à tecnologia e à emergência do digital. O essencial será continuar a valorizar a cultura, a preservar a memória e a favorecer o bem comum.
Guilherme d’Oliveira Martins é licenciado e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Actualmente é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian. Desempenhou funções governativas, tais como Ministro da Presidência, Ministro das Finanças Ministro da Educação ou Secretário de Estado da Administração Educativa, entre muitas outras. É membro da Convenção sobre o Futuro da Europa e Presidente do Steering Committee do Conselho da Europa, que elaborou a Convenção de Faro sobre o valor do Património Cultural na sociedade contemporânea. Foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo e Grande Oficial Ordem do Infante D. Henrique.
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