O revivalismo continua a invadir o nosso dia-a-dia, seja através da televisão, do cinema ou até mesmo da literatura e da banda desenhada. É claro que o passado é sempre uma fonte rica a partir da qual se inovam ou renovam certos temas mas, neste caso, estamos a referir-nos a um tom saudosista por determinadas obras em específico – a prova disso são os constantes reboots ou remakes aos quais temos vindo a assistir, numa grande maioria em que infelizmente, o resultado final tende a ser mais ácido do que doce.
Ainda assim existem bons momentos que evocam, com uma bela nostalgia, tempos (bem) passados, como é disso exemplo a recente série da netflix “Stranger Things”, estreada em 2016 e a qual se presta a homenagear, com pompa e circunstância, a década de 80, tornando-se numa espécie de “Goonies” do século XXI. Porém, ainda antes de “Stranger Things”, já Brian K. Vaughan se tinha debruçado sobre esta década e género com este “Paper Girls” (Devir, 2016), uma edição da Image Comics lançada em Portugal pela Devir.
A história foca-se num grupo de quatro raparigas de 12 anos que, unidas pela profissão de entregar jornais no seu bairro, se vão tornar aventureiras inseparáveis quando, nas primeiras horas a seguir ao Halloween, a realidade que conhecem é abalada por acontecimentos extraordinários. Vaughn não tem qualquer tipo de limitações em BD e, por isso, à semelhança do que ocorre em Saga, liberta para estas páginas um conjunto de ideias tanto mirabolantes como dispersas no campo de ficção-científica. Desta forma, o que volta a sobressair no seu trabalho não são tanto os conceitos originais mas, antes, a forma como ideias clássicas se misturam umas com as outras, dando toda uma nova roupagem a esta história.
Claro que a característica que mais salta à (primeira) vista se prende com o facto de estarmos perante quatro protagonistas femininas, quando estamos a falar de um género cujo núcleo duro sempre foi dominado por personagens masculinas. Desta vez as mulheres não só assumem o leme, como o assumem na totalidade. Só por si esta mudança no status quo já tem valor, somando mais um ponto a favor da igualdade de géneros. Contudo, sente-se que o autor poderia ter feito mais com a caracterização destas personagens, as quais não só acabam por cair nos estereótipos do género como, em várias situações, apresentam atitudes que soam forçadas e até falsas.
Em termos da narrativa, o conjunto de acções extravagantes que vão invandido as páginas servem bem o propósito da história, cujo mistério prende o interesse do princípio ao fim. No final, fica claro que este primeiro volume é mesmo só um início, pois muita coisa, certamente ainda mais bizarra, está para acontecer. As palavras de Vaugh ganham bom apoio nos desenhos de Cliff Chiang e nas cores de Matt Wilson, tendo já arrecadado dois prémios Eisner para melhor nova série e desenho/cores e dois prémios Harvey, também para melhor nova série e melhor argumentista em 2016.
2 Commentários
Olá, acabei à pouco de ler essa BD e decidi vir pesquisar um pouco sobre ela na internet.
Não reparei quais são as atitudes que consideras que soam a algo forçado e até mesmo falso por parte das quatro raparigas, mas fiquei curiosa para conhecer um pouco melhor essa tua visão da história.
(responde-me por e-mail, se possível)
Beijinhos
Lia G.
Olá Lia
Desculpa o atraso na resposta, uma que poderá não ser tão completa quanto gostaria porque já li o Paper Girls há bastante tempo.
Do que me recordo não achei sempre os diálogos adequados à linguagem que miúdas naquela idade teriam. Lembro-me em particular das referências e citações da protagonista não me soarem assim tão fluídas. Não que ela não pudesse ter aquela cultura popular mas antes que a transmitiria de forma diferente. Vale o que vale e tem a ver com a minha percepção de como raparigas daquela idade se comportariam, a qual não tem de estar inteiramente certa.
Obrigado pelo comentário.