“Depois de os conhecermos intimamente, os lugares passam a ser outros”. Esta é uma das primeiras frases que encontramos em “Os Vivos e os Outros” (Quetzal, 2020), o mais recente romance de José Eduardo Agualusa, uma história de (des)encantar rumo a um fim do mundo que grita por um recomeço num lugar cercado por água, numa catástrofe anunciada no final de uma primeira parte que mais parece um prólogo cénico: “É assim que tudo começa: a noite rasgando-se num enorme clarão, e a ilha separando-se do mundo. Um tempo terminando, um outro começando. Naquela altura ninguém se apercebeu disso”.
Daniel Benchimol, personagem que já havia habitado em livros como “A Sociedade dos Sonhadores Involuntários” e “Teoria Geral do Esquecimento”, está de regresso, conduzindo-nos agora até à Ilha de Moçambique, lugar onde decorre um festival literário capaz de albergar um número bem grande de egos, obrigados a um confinamento forçado durante sete dias onde ficam sem qualquer acesso ao mundo exterior.
Agualusa move-se entre a realidade e a ficção, diluindo o passado no futuro, cruzando os fios que unem a vida à morte, ao mesmo tempo que tira um retrato do movediço e cínico mundo literário, feito de escritores que querem mudar o mundo, de escritores paisagistas ou daqueles que simplesmente escrevem para perdoar, quase todos frequentadores de mesas literárias com nomes esquisitos.
Um desfile de personagens livres, à procura do seu próprio caminho num imaginário onde há lugar para fantasmas, corvos com o brilho da lua no olhar, pescadores com medo das vozes que ouvem no mar, chupa-sangues e mulheres-baratas. Afinal “a realidade é isso, é o que acontece à ficção quando acreditamos nela!”.
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