“Querem compreender este lugar? Então têm de compreender as suas ligações, a forma como tudo e todos estão ligados a tudo e todos por fios invisíveis de relações e lealdades e dívidas […] Isso fez com que as pessoas por aqui se unissem e sobrevivessem, mas fez-nos também cometer crimes terríveis, uns contra os outros.”
Fredrik Backman fala de Björnstad, a cidade para onde já nos tinha transportado com “Beartown: A Cidade dos Grandes Sonhos” (ler crítica), mas o mesmo se aplica à sua vizinha, Hed. Ambas são pequenas e frias, situadas no meio de uma floresta e habitadas por gente para quem o hóquei é muito mais do que um desporto: um motor de desenvolvimento local, um meio de integração para alguns, um instrumento de obtenção de poder para outros e, acima de tudo, uma paixão louca para a maioria. “Os Vencedores” (Porto Editora, 2024) encerra com chave de ouro a trilogia iniciada com “Beartown” e prosseguida em “Nós Contra os Outros”, descrevendo as ondas de choque do crime que abalou Björnstad – o qual, como acabamos por descobrir, não é muito diferente de outro cometido em Hed – e da velha rivalidade entre as duas terras.
Neste livro, a acção propriamente dita começa com uma tempestade, que é uma metáfora perfeita para os acontecimentos que provoca. Como numa reacção em cadeia, com elos imprevisíveis que nos fazem pensar no efeito borboleta, eles conduzem, no final, à tragédia anunciada logo na primeira página. A história, segundo o narrador, “não devia levar muito tempo a contar – começa agora mesmo e acaba em menos de duas semanas; afinal, o que pode acontecer em duas cidades de hóquei em tão pouco tempo? Não muito, com certeza”. Porém, ele próprio opõe logo a seguir: “Apenas tudo”.
De facto, o enredo, que se estende por mais de 600 páginas, decorre cerca de dois anos após o final do volume anterior, mas esse presente interliga-se com evocações do passado e antecipações do futuro, por entre os comentários de um narrador omnipresente, brilhante a traçar paralelismos, ora felizes, ora ironicamente dolorosos. Duas personagens centrais que tinham partido de Björnstad regressam para um funeral, mas há outro a decorrer, que passa quase despercebido e motivará uma violência que surpreenderá até os mais endurecidos pelos conflitos brutais entre as duas cidades.
Pelo meio, há uma luta desigual contra o ódio. Há múltiplas dinâmicas familiares, casamentos periclitantes, amizades, amores, intrigas, mágoas, novas oportunidades e vitórias sobre a tristeza. O autor sabe jogar com as expectativas do leitor sem fazê-lo sentir-se traído, estimulando a sua curiosidade e levando-o a preocupar-se com o destino das personagens, mesmo daquelas que surgem apenas neste último volume.
“Somos um povo que conta histórias, que tenta usá-las para colocar em contexto aquilo que vivemos, para explicar aquilo por que lutámos, na esperança de assim justificar o que fizemos. Mas as histórias revelam tanto o melhor como o pior de nós, e qual dos dois lados dominará o outro?”. Eis a pergunta que percorre até ao fim esta saga extraordinária.
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