Não se deixem levar pelo ar sério, respeitável e muito académico de Geoff Dyer quando mergulharem em “Os Últimos Dias de Roger Federer” (Quetzal, 2023). Nesta viagem por muitos finais, que poderia ter o “The End” dos Doors a tocar num semi-depressivo loop, misturam-se ensaios sobre Turner ou Beethoven com idas ao Burning Man, onde não se recusa um bom cocktail de drogas.
“Este livro é sobre as últimas coisas, mas também um livro sobre as coisas às quais se chega no fim, já tarde, coisas que estávamos em risco de morrer sem ter lido ou experimentado”. Esta é uma das muitas definições que Dyer nos oferece sobre este livro, um ensaio contínuo que se vai transformando pelo caminho, que o britânico vai tratando de ir reformulando e acabará, talvez, melhor embrulhado desta forma: “Os livros por escrever e impossíveis de escrever tornam-se parte de um – integram-se num – livro que se é capaz de escrever. Este”.
Neste livro de dias finais ou de obras finais ou tardias de músicos, desportistas, escritores ou cineastas, descobrem-se múltiplas referências literárias, musicais e cinéfilas. Temos Dylan que, a dado momento e como muitos outros, se transformou num artigo de a(nti)quário – “as pessoas não vão para ver Bob Dylan mas para o ter visto”; Turner, Ticiano e as muitas pinturas inacabadas que deixaram; o Eterno Retorno de Nietzsche e a sua falta de predesposição para a vida saudável; alguns armados em Nobel, como Camus e Saramago; e, quase sempre, Roger Federer, que aparece em todo o lado nesta quadra literária.
Fala-se, não sem alguns laivos de emproamento britânico ou um certo snobismo musical, de leituras adiadas, ou olhadas de vários ângulos consoante a idade; das mudanças no gosto, que estão longe de ser arbitrárias; de comboios e de ventos; do problemas da afectação, “especialmente grave em certas estirpes de escrita sobre a natureza, em que é frequentemente visto a vaguear lado a lado com meditações sinceras sobre este nosso maravilhoso – singularmente precioso – planeta: «uma bola molhada atirada para nenhures» segundo a frase imbatível de Dillard”; da ameaça, a certo ponto, de este se tornar “um diário de lesões ou um caderno de entorses”; ou de abandonar um livro antes da chegada a bom porto, tal como um adepto que abandona o estádio antes do apito final e se arrisca a perder uma reviravolta histórica.
Com 66 anos, este não será provavelmente o último livro de Dyer. Porém, se se der o caso de ser surpreendido pela ceifeira ou pôr a tampa na caneta, este ensaio sobre finais e outros mistérios da criação tem serviço para game, set & match. Well done, Mr. Dyer.
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