Foram muitos os livros traduzidos que nos chegaram às mãos este ano, pelo que só depois de muitas espremidelas conseguimos chegar a vinte copos de sumo. Para beber simples ou, preferencialmente, com um pouco de vodka.
20. “A Musa” | Jessie Burton
Editora: Editorial Presença
A Musa” é um bailado de mistérios e subtilezas, orientado pela vida interior de duas jovens artistas que lidam com o medo e a insegurança da sua arte, os dilemas criativos e de identidade de quem cria e receia a apreciação, a ambivalência entre a vontade de criar e a angústia pela rejeição. O êxtase do artista ditado pela liberdade de criar e, a partir de certa altura, irremediavelmente contaminado pelo sucesso e pela cobrança do exterior.
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19. “Biblioteca de Almas” | Ransom Riggs
Editora: Bertrand
Neste livro final, Jacob Portman viaja acompanhado de Ema Bloom, a rapariga que consegue produzir fogo com as mãos, e Addison MacHenry, um cão capaz de localizar qualquer peculiar, de encontro à lenda do vórtice perdido, situado em Abaton, lugar que esconderia a biblioteca de almas dos peculiares mais antigos e poderosos. Para isso terão de viajar “através da própria morte até ao fosso do inferno“, à boleia de um barco conduzido por Caronte, uma espécie de Barca do Inferno lá do sítio. Riggs fecha de forma de forma triunfal a trilogia, construindo uma ponte segura entre o reino peculiar e o dos comuns mortais. Bizarro, romântico e muito cativante.
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18. “O Segredo da Modelo Perdida” | Eduardo Mendoza
Editora: Sextante
Para os seguidores de Eduardo Mendoza, particularmente do cabeleireiro e investigador que foi protagonista de livros como “O mistério da cripta assombrada”, “O labirinto das azeitonas”, “A aventura do tocador de senhoras” ou “O enredo da bolsa ou da vida”, 2017 foi ano de festa com o lançamento de “O Segredo da modelo perdida”. Faz-se muito footing – qualquer coisa entre o jogging e a corrida em fuga -, assiste-se à falência da imprensa escrita e sobretudo da rádio, reza-se à Virgem (seja a Virgem dos Punhais, a Virgem de Valvanema ou a Virgem Negra de Czestochova) e assiste-se ao nascimento de Barcelona como a cidade da moda. Tudo com muita emoção, humor e, sobretudo, génio. Um livro que é uma verdadeira festa para o leitor.
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17. “Manuscrito Corvo” | Max Aub
Editora: Antígona
Neste livro, que não é novela nem ensaio – talvez uma fábula em monólogo -, Max Aub discorre sobre o grau máximo do absurdo a que a espécie humana conseguiu chegar. Depois de meses a observar esta estranha espécie, a Jacobo não restam dúvidas: o melhor mesmo é voar dali para fora. Um dos mais estranhos e singulares livros escritos sobre a Guerra e a condição humana.
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16. “Um Legado de Espiões”| John le Carré
Editora: Dom Quixote
A elegância da escrita de le Carré é inegável: ninguém domina as regras deste universo como ele. Apesar de haver alguma vantagem em revisitar “O Espião que Veio do Frio” antes de entrar neste novo tomo, as personagens que aqui surgem são excelentes por direito próprio, desde o enigmático George Smiley, o anti-herói no centro de muitos dos romances de le Carré – aqui um espectro que assombra a história desde o início -, até ao torturado Christoph e a toda uma galeria de sólidas criações. Não se sabe se o autor voltará a visitar este universo depois de “Um Legado de Espiões” mas, se este for o último capítulo da história, diga-se que encerra com chave de ouro.
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15. “4321” | Paul Auster
Editora: Asa
Não se trata de um romance convencional. Não apenas no sentido de não apresentar um final concreto e decisivo mas, também, por fazer valer aquela máxima de que o mais importante não é o destino, é a viagem – na senda de um “Arrival” levado às letras. Uma viagem feita através da História americana das últimas décadas e da sua própria vida, percorrida e sonhada, fazendo de “4321” algo como um diário paralelo e romanceado das múltiplas vidas de Paul Auster, que parece, aqui, ter querido alcançar a eternidade – tal qual Laurel e Hardy o fizeram no cinema.
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14. “Cães de Caça” | Jørn Lier Horst
Editora: Dom Quixote
A conexão do leitor com estas personagens é imediata, nos cenários típicos dos thrillers nórdicos que criam uma envolvência enigmática e misteriosa à história. São 340 páginas de investigação — policial e jornalística —, onde o autor vai semeando pistas e impulsionando twists que agarram da primeira à última página.No final, a tensão e o mistério dissipam-se e todas as peças se encaixam, sem pontas soltas. Que Jørn Lier Horst regresse com mais um thriller capaz de nos tornar novamente leitores-inspectores.
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13. “A Terra Que Pisamos” | Jesus Carrasco
Editora: Marcador
Um livro que mantém uma forte ligação à natureza, um alto índice de violência e que aponta o silêncio como um dos motores das emoções humanas.
(Ler Entrevista com o autor)
12. “A Contraluz” | Rachel Cusk
Editora: Quetzal
Se existisse, nas páginas impressas, algo semelhante a psicanálise literária, Rachel Cusk estaria certamente entre os seus maiores especialistas. Em “A Contraluz”, livro inaugural de uma trilogia, viajamos entre a exposição do eu – mesmo que ficcionado – e a radiografia de seres alheios, num retrato mordaz, humorístico e muito desafiante da condição humana – e, sobretudo, da forma como nos relacionamos emocionalmente perante a perda, o amor – e a sua falta – e a sempre complicada dinâmica familiar, de médio e longo alcance.
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11. “A Estrada Subterrânea” | Colson Whitehead
Editora: Companhia das Letras
Colson Whitehead recria, entre a ficção e a fantasia, um dos períodos mais infames da história americana, numa escrita engenhosa que vai atravessando um cenário de crueldade, vingança e violência para caminhar na direcção de uma luz ténue, que vai piscando no inacessível norte. E a verdade é que, mesmo tendo em conta que a América elegeu surpreendentemente um presidente negro, não deixa também de ser verdade que logo a seguir elegeu o seu negativo, que olha para a América como o centro do universo, alimentando diariamente a ilusão de um país e a diferença entre quem nela vive. Precisaremos de uma nova estrada subterrânea?
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10. “Pão Com Fiambre” | Charles Bukowski
Editora: Alfaguara
Com uma boa dose de auto-biografia, o romance recua aos tempos de infância de Chinaski, desde logo vividos à margem, passados com uma família desarranjada imersa em alcoolismo, tuberculose, doenças sexuais e outras maleitas que só poderiam avariar a cabeça a alguém em tão tenra idade. “Pão com Fiambre” é um dos maiores e mais expostos romances de Bukowski, carregado de raiva e tristeza, marcado pela rebelião, fazendo um valente manguito à curta e sádica existência humana. “Qualquer coisa, qualquer coisa menos isto, este tédio, esta trivial e cobarde existência“. Nada mal para epitáfio.”
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9. “Baleia” | Paul Gadenne
Editora: Antígona
Um pequeno grande livro – são cerca de 50 páginas -, publicado originalmente por Albert Camus na revista Empédocleem 1949, que serve de metáfora não só ao mundo como sobretudo à condição humana, numa descoberta do outro e do que nos faz únicos. Uma metáfora sobre a morte e a escrita com um toque de Melville. De saudar vivamente esta tradução.
(Crítica em breve)
8. “Entre Amigos” | Amos Oz
Editora: Dom Quixote
Numa sociedade cada vez mais orientada por princípios e estratégias de natureza económica, na qual a sustentabilidade é aferida por deficits, curvas de ganhos e prejuízos materiais, compromissos financeiros e sanções económicas, ler “Entre Amigos”, de Amos Oz, acompanhando a vida de personagens que habitam o imaginário Kibutz Ykhat, é realizar uma viagem a um ideal alternativo de organização, coesão e sobrevivência comunitária.
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7. “Amarga Como Vinagre” | Anne Tyler
Editora: Bertrand
Um retrato primoroso de uma família para lá do disfuncional, com personagens todas elas dignas de um romance só para si: o pai, perdido num mundo onde a Ciência não deixa sequer um centímetro de espaço para o zelo familiar; Pyotr, o emigrante fofinho que acredita, mais do que no visto, na conquista do coração de pedra de Kate; Bunny, “toda ela uma nuvem de caracóis dourados e uma cara de suposta inocência“, mas que poderia ser uma das irmãs castigadores da Cinderela; Edward Mintz, o vizinho do lado, que sob a capa de explicador de espanhol pro bono vai trocando uns amaços com Bunny; e, claro, Kate, que presa entre uma família tépida, um trabalho que se fosse um par de calças lhe ficaria um bom palmo acima dos tornozelos e um casamento arranjado, encontrará forças para operar uma mudança de vida, transformando o vinagre em sumo de maçã.
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6. “O Meu Nome Era Eileen” | Otressa Moshfegh
Editora: Alfaguara
Nesta história, contada na primeira pessoa por Eileen cinco décadas depois do seu desaparecimento, há negrume, obsessões, olhares e malevolência suficientes para pensarmos que temos aqui uma autora que passeia de queixo erguido por terrenos já antes pisados por Flannery O’Connor. A escrita é surpreendente, bem como a narradora criada por Ottessa, que confunde, ilude e nos faz sentir pena da sua inadaptação perante o mundo. Um livro fascinante que leva o leitor para o centro de um pântano, feito de areias movediças, tendo também ele de operar uma transformação de modo a regressar são e salvo de uma literatura que é abençoadamente retorcida. Fiquem de olho em Ottessa Moshfegh, isto promete e muito.
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5. “A Árvore das Mentiras” | Frances Hardinge
Editora: Editorial Presença
Francis Hardinge escreveu um livro verdadeiramente singular, numa narrativa que se vai desenrolando em vários andares. Se, por um lado, a atmosfera policial e de mistério representa a sua sustentação, o livro aborda ainda e de forma fascinante outros tópicos, tocando o campo da ficção histórica: o conflito entre a religião e a ciência mas, sobretudo, a condição da mulher, num período da história onde era praticamente equiparada a um animal de companhia, impedida de sonhar e considerada desprovida de intelecto.
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4. “HHhH” | Laurent Binet
Editora: Sextante
Em “HHhH”, Laurent Binet reinventa o romance histórico contando a história dos dois homens que estiveram na origem da tentativa de assassinato de Reinhard Heydrich, chefe dos Serviços Secretos Nazis, ao mesmo tempo que escreve a biografia daquele que vivendo na sombra foi considerado o cérebro de Himmler. Um combate entre a verdade histórica e a ficção romanceada do qual resulta um vencedor claro: o leitor.
(Crítica em breve)
3. “As Coisas Que Perdemos No Fogo” | Mariana Enriquez
Editora: Quetzal
São contos sem espaço para finais felizes, atravessados pela presença de fantasmas, pelo despontar da homossexualidade, dotados de uma consciência de classe mas sem moral, oferecendo uma banda-sonora para a adolescência – sempre com o terror na mira e a infiltrar-se na corrente sanguínea. Um hino ao grotesco, ao macabro e à loucura que se passeia de salto alto.
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2. “Pastoralia” | George Saunders
Editora: Antígona
Saunders coloca o leitor ao lado das personagens: sabemos tanto quanto elas, surpreendemo-nos como elas, e acreditamos que a vida possa ter acontecimentos extraordinários, embora raramente. Com prefácio e tradução de Rogério Casanova, “Pastoralia” é um livro de um humor negro comovente, e George Saunders mostra-se exímio no jogo da ironia. Vale muito a pena ler.
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1. “Atos Humanos” | Han Kang
Editora: Dom Quixote
Han Kang dá voz aos estudantes, aos familiares e a ela própria, cidadã de um país que enfrentou, de forma bárbara, a expressão de opinião e oposição da sua juventude. Trata-se por isso de um romance considerado polifónico, com múltiplas entradas e relatos, enriquecidos pela dupla perspectiva temporal de contemporaneidade com os acontecimentos e a actualidade.
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