História, alquimia, misticismo e muita violência pelo meio. Ingredientes maiores que descobrimos em “Os Cavaleiros de Heliópolis I e II” (Arte de Autor, 2020), álbum que reúne os dois primeiros – de quatro – tomos de uma banda desenhada que conta com argumento de Alejandro Jodorowsky e desenhos de Jérémy.
A história transporta-nos para finais do século XVIII, tendo Jodorowsky partido de Luís XVII, falecido aos 10 anos nas masmorras de uma prisão, um episódio dos manuais que se transformou num mito ao nível do Homem da Máscara de Ferro.
Nigredo, a Obra ao Negro leva-nos ao Norte de Espanha, região onde está situado o Templo Secreto dos Cavaleiros de Heliópolis. É lá que Dezassete enfrenta o seu teste final, com vista a tornar-se parte da Confraria. Caso falhe, terá de ser morto de modo a preservar o segredo da existência dos Cavaleiros. Caso o consiga, fazendo uso da força, esperteza e sentido estratégico que mostrou ter, será iniciado nos mistérios da Santa Alquimia. As origens de Dezassete remontam, porém, a um outro tempo e geografia. Mais concretamente ao Palácio de Versalhes, sendo ele na verdade Luís XVII, o legítimo rei de França, rebento da relação proibida entre o pai Luís XVI e Maria-Antonieta. A grande questão parece ser esta: deverá reclamar o que é seu por direito ou permanecer mais recatado, fruindo na sombra os desígnios da Alquimia?
Claro que, tratando-se de uma obra de Jodorowski, o sexo desempenha também um papel central, reflectido num hermafrodita que renasce “num ser novo, sem passado e sem nome, sem nacionalidade, sem idade, sem definição, livre!”, capaz de desempenhar múltiplos papéis.
Albedo, a Obra ao Branco, a segunda metade deste álbum, dá-nos a conhecer os Cavaleiros de Heliopólis, nove alquimistas que, ao confeccionarem e aperfeiçoarem o elixir da longa vida, puderam viver durante 300 séculos. Dezassete, agora já um alquimista respeitado, terá de vestir uma das suas muitas peles e realizar algo parecido às missões impossíveis de Tom Cruise: mergulhar a coroa que pertencia a Marie-Josèpha, arquiduquesa da Áustria e rainha da Polónia, no fogo de Althanor, “para que o ouro morra e a sua verdadeira natureza surja: um óleo branco e eterno”. Uma missão que esconde – ou antecede – uma outra bem maior: conquistar, puxando pela sua metade feminina, o apreço de Napoleão Bonaparte, para impedir que este ascenda ao estatuto de um deus capaz de destruir a Humanidade. Um livro onde a beleza é decididamente uma arma, e que nos leva até ao Egipto e à pirâmide de Keops.
O segundo e último álbum duplo de Os Cavaleiros de Heliópolis, que reúne os episódios 3 e 4 desta tetralogia, está já disponível nas livrarias.
Alejandro Jodorowski é um dos maiores argumentistas de banda desenhada, com contribuições nos géneros do fantástico, da ficção científica e na criação de universos místicos. Simultaneamente escritor, argumentista e poeta místico, nasceu a 17 de fevereiro de 1929 em Iquique, uma pequena cidade do Chile. Filho de emigrantes judeus russos em fuga aos pogroms, acabou por deixar o Chile em 1951, viajando até Paris. Foi nesta cidade que descobriu os surrealistas e escreveu rábulas para o Mimo Marceau – e também para Maurice Chevalier. Criou o grupo Panique com Roland Topor e Fernando Arrabal, movimento artístico provocador e burlesco, em 1962. A partir de 1965, viveu uma dezena de anos no México. Foi neste país que rodou dois filmes: El Topo e La Montagne Sacré. Foi também em solo mexicano que lançou a sua carreira de argumentista de banda desenhada, criando a personagem Anibal 5, desenhada por Manuel Moro. Em 1978, Jodorowski e Moebius assinaram juntos o seu primeiro álbum comum, Les Yeux du Chat, tendo dois anos mais tarde lançado Les Aventures de John Difool. Jodorowski depressa se tornará um dos mais célebres argumentistas de banda desenhada com as séries Alef-Thau (como Arno), Le Lama Blanc, o remake de Anibal 5 e Juan Solo (com Georges Bess), John Difool avant l’Incal (com Zoran Janjetov), Face de lune (com Boucq), La Caste des Méta-Barons (com Juan Gimenez), para nomear apenas alguns… Jodorowski recebeu o Alph’art de Melhor Argumento em 1996, em Angoulême, pelo primeiro volume de Juan Solo. Criou, em 2001, a série de sucesso Bouncer, desenhada por Boucq, cujos volumes 8 e 9 são publicados pela Arte de Autor. Está também em andamento, nesta editora, a série Os Filhos de El Topo, ilustrada por Ladrönn.
Jérémy, nascido em 1984, começou a sua carreira aos 17 anos ao lado de Philippe Delaby, então como colorista de Murena. Continuando a pôr a cor nesta série, tal como em La Complainte des landes perdues, tirou algum tempo para realizar uma banda desenhada de piratas, intitulada Barracuda, que contou com guião de Jean Dufaux. Após a morte do seu mestre Phillipe Delaby, Jérémy aceita terminar as 21 pranchas que faltam do volume 4 do segundo ciclo de La Complainte des landes perdues. Depois de ter encerrado a série Barracuda com um sexto volume, iniciou Os Cavaleiros de Heliópolis, uma série histórico-fantástica sobre os cavaleiros alquimistas durante a revolução francesa.
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