Abandonadas pelos maridos, ignoradas pela lei marroquina e perdidas num limbo onde não são casadas nem divorciadas, Ghita, Latifa e Saadia decidem lutar pela sua liberdade através de um duro, longo e algo surrreal processo de divórcio.
É este o ponto de partida para “Suspended Wives”, documentário realizado por Merieme Addou que, para além de um mestrado em cinema documental, tem ainda uma licenciatura em direito privado, o que talvez tenha contribuído para esta exposição cinéfila da desigualdade através da lei.
Trata-se uma viagem, não isenta de um certo toque kafkiano, por um mundo burocrata feito à medida do homem, onde este trio, sofrendo de uma iliteracia que lhes é imposta, tem de recorrer à figura do “escritor público” e à sua máquina de escrever, de forma a reunir toda a documentação que permita levar o processo de divórcio a tribunal. Algo que se torna real a partir do momento em que o processo de intenções é anunciado através das ondas hertzianas, sendo ainda necessário obter a morada actual do marido e reunir 13 testemunhas que comprovem a veracidade da relação, mesmo que esta tenha ocorrido duas décadas atrás.
A fotografia de Mohamed Ali Saghraoui é sublime, ajudando a desenhar este retrato, muitas vezes silencioso, de uma sociedade patriarcal na sua essência, na qual os homens podem ter mais de uma mulher e as mulheres são olhadas como seres subalternos, a quem cabe cuidar da casa, dos filhos e dos maridos. A realização de Merieme Addou é exemplar, não apenas pela forma em como desmonta um sistema judicial assente na defesa e perpetuação do patriarcado e da misoginia como, também, pelo modo em como revela os alicerces da desigualdade, através de um silêncio feito de gestos e olhares e de uma geografia íntima que permite conhecer, de perto, cada uma destas mulheres que se cansaram de ser invisíveis.
Competição Geral | Longas-Metragens
QUA 10 NOV • 14H30 • SALA 3 (seguido de mesa redonda da Sala 2)
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