O mundo do cinema habituou-nos, com maior – Magnolia – ou menor – Babel – acerto, a filmes feitos à boleia de mosaicos fragmentários, que, aos poucos e unindo as inevitabilidades e coincidências da vida, vão completando o puzzle, trazendo para a luz uma narrativa que antes disso mais parecia um labirinto emocional.
Em “Olá, Universo” (Minotauro, 2019), Erin Entrada Kelly coloca lado a lado quatro personagens que, nos seus melhores e piores sonhos, nunca sonhariam cruzar-se uns com os outros, ainda que estudando todos na mesma escola: Virgil Salinas, um miúdo tímido que se considera um grande falhado, e que só mesmo uma radiografia é capaz de dizer o que atravessa o seu pensamento. O seu melhor amigo é um porquinho-da-índia que, segundo ele, sofre de uma “depressão debilitante” por viver sozinho; Valencia Somerset, uma miúda que usa um aparelho auditivo para melhor compreender o mundo, inteligente, muito teimosa e dotada de um sentido de humor refinado; Kaori Tanaka, uma jovem vidente que afirma conseguir ler as estrelas e que chama ao seu quarto “a câmara dos espíritos”; e Chet Bullens, mais conhecido por Touro, o maior bully do bairro que, nas palavras de Virgil, “assombra Elm Street como um tigre à solta”.
Outra personagem marcante desta narrativa é Lola, a avó de Virgil, alguém que acredita que a filha – a mãe de Virgil – compraria beijos de Judas se estes estivessem em promoção e que conta ao neto histórias tão porreiras como a dos diabólicos macacos de três cabeças, que vivem na escuridão, ou de crianças levadas por pássaros pela calada da noite.
São quatro vidas que se tocam apenas nas margens, entre a fuga calculada a um bullying confesso e a incapacidade de confessar um amor tremendo, mas que se irão enredar quando uma partida de muito mau gosto corre mal.
Tocando a conversa algo esotérica de se o mundo é feito de coincidências ou de se há coisas que nos foram preparadas pelo destino, Kelly convida, nesta história sobre esperança, coragem e amizade, cada leitor a procurar o seu herói interior, deixando para fruição uma máxima que poderia ser gravada em azulejo ou impressa numa T-Shirt: “De todas as coisas que alguma vez digas a ti mesmo, na vida, nunca digas: “não há a mínima hipótese””.
Erin Entrada Kelly é uma escritora filipino-americana que publicou três livros juvenis: Blackbird Fly e The Land of Forgotten Girls, ainda sem tradução portuguesa, e “Olá, Universo”, vencedor da Medalha Newberry em 2018.
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