“A Internet constituía um montão imenso de ideologias, declaradas e implícitas, que reflectiam os valores sociais dos seus vários criadores. Alguns desses homens acreditavam na liberdade de expressão. Outros tinham medo dos russos. E outros acreditavam apenas no dinheiro.”
Todo o enredo, caracterizado pelo narrador como um “mau romance”, tem início a partir do momento em que uma das protagonistas, Adeline, comete um dos maiores pecados do século XXI, ao discursar para uma plateia de alunos da área artística. O convite deve-se ao facto de Adeline ter colaborado com Jeremy Winterbloss num comic intitulado “Thrill”. A época era completamente distinta: corria o ano de 1990 e era uma jovem mulher acabada de sair da faculdade, num momento em que era possível viver-se dos comics (ou, por outras palavras, bandas desenhadas). A Internet ainda não tinha provocado mudanças drásticas no funcionamento das sociedades e, especialmente, nas pessoas. As desvantagens estruturais neste tipo de negócio – relacionadas com questões raciais e de sexismo – levaram a que ambos adoptassem pseudónimos para assinarem o seu trabalho. Para além de todo o ódio que seria depositado nesta mulher com opinião, um produto no universo dos comics “que não fosse entregue por um Branco receberia menos encomendas do que outro disponibilizado por um Branco”.
No entanto, o segredo acabou por ser descoberto e, mais interessados pelo facto de Adeline ser mulher do que a cor da pele do companheiro Jeremy, acabou por se gerar mais interesse à volta desta personagem. Afinal, é uma mulher em “comics do género”, e sabe fazê-lo muito bem. Ao ver o seu segredo descoberto, acabou por se tornar “meio famosa”. A partir deste ponto, “Odeio a Internet” (Quetzal, 2018) é uma narrativa sobre o controlo da sociedade pelos mecanismos da Internet, mas desenganem-se os que pensem ser um domínio único das redes sociais.
Para se dar a conhecer os mecanismos da Internet, começa-se por apresentar a figura de Jack Kirby, descrito como a figura central do livro, “por ser o indivíduo que mais foi lixado pela indústria dos comics americanos”. Criador num contexto em que cada utilizador é produtor de conteúdos para “monólitos gigantescos” que nunca são pagos, Kirby é um génio afundado por um mau contrato da Marvel. Das suas mãos nasceram heróis como o Capitão América, o Quarteto Fantástico, Thor, Loki, entre tantos outros, mas os lucros exorbitantes nunca lhe foram pagos. O autor explica também, a páginas tantas, que “desistiu de tentar escrever bons romances” a partir do momento em que percebeu que o conceito foi criado pela CIA: “A literatura americana constituía propaganda excelente que ajudaria a combater os Russos”. Este “Odeio a Internet”, do americano Jarett Kobek, é um misto de ideias que o tornam num livro peculiar: informativo e louco, camuflado, um romance com demasiadas personagens e vidas aparentemente desinteressantes.
O que interessa, neste romance, são as críticas ao funcionamento da sociedade digital: desde a apropriação dos conteúdos das mensagens, enviadas através do Facebook, sem qualquer pedido de autorização, até às actividades dos utilizadores do Twitter, caracterizados como “narcisistas” interessados em fazer com que as outras pessoas saibam a sua opinião sobre assuntos vazios e desinteressantes. Ao fazer algo imperdoável no século XXI, Adeline acaba por se deixar levar e cria uma conta no Twitter para se defender. À medida que ganha novos utilizadores, as vendas dos seus comics acaba por aumentar. Kobet analisa também o impacto de empresas como a Google e a Apple na sociedade e, no final, prevalece a questão: todas estas ferramentas servem para dar asas à liberdade de expressão dos utilizadores ou é tudo uma perfeita ilusão?
“Odeio a Internet” é um romance alarmista para despertar os leitores. Numa mistura entre realidade e ficção – através das personagens que vão dando o seu contributo para o desenrolar da narrativa –, há que ter os olhos bem abertos em relação à “invenção maravilhosa” que é a Internet. Este é, sem sombra de dúvidas, um dos melhores romances publicados nos últimos tempos.
2 Commentários
ONDE ACHO ESTE LIVRO??
Bom dia. Em qualquer livraria online ou directamente com a editora.