Porque isto de fazer elogios épicos na capa de livros não serve apenas a thrillers, policiais e a autores que ainda caminham no mundo dos vivos, a recente edição portuguesa de “O Triunfo da Morte” (Minotauro, 2019), escrito pelo italiano Gabriel D`Annunzio em 1894, apresenta-o como “o maior escritor italiano desde Dante“, para depois definir este romance como “a sua grande obra-prima“. Elogios que, talvez, levem o leitor a suspirar por um daqueles livros capazes de levantar um estádio, o que está longe de acontecer. Se estiverem à espera de um golo de bicicleta ou um pontapé de moinho, terão de contentar-se com um sensaborão zero a zero.
Fã incondicional de Nietzsche, D’Annunzio mostra-nos o amor como “a suprema tristeza“, vivido pelo casal Giorgio e Ipollita que, quando passeiam por Roma, testemunham um suicídio, um acontecimento que irá abalar o seu mundo amoroso repleto de inquietações – sobretudo na cabeça de Giorgio.
Ipollita é casada, amante de Giorgio, um tipo a que hoje chamaríamos maníaco e controlador, e que parece estar a um passo de partir para a violência doméstica. Alguém com um sentimento de posse ao nível do sufoco, que gostaria de viver numa bolha existencial – “Porque nos havia de ser proibido reproduzir a existência conforma a nossa fantasia e viver para sempre em nós mesmos?” – e que, a certa altura, nos apresenta aquilo que procura numa mulher: “…bondosa, terna, submissa, respirando uma nobre e doce poesia“.
No seguimento de um telegrama de sua mãe, Giorgio regressa à terra isolada e feita de pedra da sua infância, à qual chegará mais tarde a já separada Ipollita, mas dificilmente o amor poderá pegar em alguém tão negro e deprimido como Giorgio, que parece estar ligado a um equalizador onde os sentimentos sobem e descem a intervalos irregulares e imprevisíveis.
Olhando para uma carta que escreveu a Ipollita, Giorgio interroga-se como, apenas dois anos passados, aquelas palavras se tornaram “epitáfios num cemitério“, esperando que Ipollita o possa curar de uma doença que o impede de largar uma tristeza que pressente ser eterna.
Em “O Triunfo da Morte”, a mulher – nas palavras de Giorgio – surge sempre como um ser diminuído, secundário, um objecto possuidor de uma “fragilidade incurável“, moldável aos caprichos e desejos do homem, que dela fará a sua criação.
Há, também, uma forte presença religiosa, reflectida em lendas, santas e milagres, apenas para mais tarde poder ser rejeitada, parecendo querer provar que nem religião nem amor serão armas para combater a atracção que a morte exerce em Giorgio.
Lido a mais de um século de distância, “O Triunfo da Morte” é um livro datado, com inquietações que poderíamos facilmente ligar a uma linha temporal bem recuada, e que faz um enorme manguito à condição feminina. Para o leitor mais irado e perante a incerteza do amor sentida por Giorgio, apetecerá, no final, dizer qualquer coisa como isto: “Espeta-te à vontade contra a parede mas não me leves contigo dentro do carro”.
Sem Comentários