Um desmesurado céu nocturno, polvilhado com milhões de estrelas. O incrível espectáculo de luz das auroras boreais. Mas também tempestades de neve que aniquilam tudo à sua passagem e um frio desolador e mortal – o Alasca é um sítio de extremos.
“O Som do Silêncio” (Jacarandá, 2016), o terceiro livro da autora inglesa Rosamund Lupton, leva-nos numa viagem desesperada a esta paisagem hostil. Acompanhamos Yasmin e Ruby, mãe e filha, que viajam pelo Alasca ao encontro de Matt, pai de Ruby e ainda marido de Yasmin (a coisa está tremida). Matt está numa aldeia remota, Anaktue, a filmar um documentário sobre a vida selvagem.
No Aeroporto de Fairbanks, em vez de Matt, quem está à espera delas é a polícia: houve um terrível incêndio em Anaktue que terá morto toda a gente na aldeia, inclusive Matt. A sua aliança e o seu telefone foram encontrados nas cinzas fumegantes.
Yasmin recusa-se a acreditar no destino do marido e, dada a falta de vontade da polícia em fazer mais buscas, parte em direcção a Anaktue com a filha, encetando uma perigosa viagem pelas estradas geladas do Ártico. Entretanto a noite vai durar 54 dias e há uma temível tempestade a aproximar-se. Como se não bastasse, há alguém a perseguir as duas num enorme camião-cisterna.
Em qualquer thriller é preciso fechar os olhos a alguma falta de lógica e realismo, mas Rosamund Lupton estica a corda em alguns pontos. Por exemplo: quando Yasmin se vê impedida de voar directamente para Anaktue por causa da tempestade, arranja uma boleia com um camionista. Quando ele adoece, apodera-se do seu gigantesco camião e faz o que qualquer mãe responsável faria: leva a sua filha de 10 anos para o meio de uma tempestade no Ártico, onde não há vivalma para ajudar – só ventos ciclónicos a gelar tudo e todos, avalanches e temperaturas de 46 graus negativos. É ver a jovem astrofísica inglesa a colocar correntes nas rodas e a fazer tarefas de manutenção como se fosse um empedernido camionista.
Dito isto, Lupton retrata de forma eficaz o pernicioso clima polar. O vilão mais cruel é o próprio clima, desolado e inerte: “Há um monstro feito de frio, duro como a borda do passeio, que se aproxima de mim no escuro e passa através do pára-brisas, das portas e das janelas”, diz a jovem Ruby.
Um dos motores da narrativa é a surdez de Ruby. A história é contada também do seu ponto de vista, e é a perspectiva da criança, inocente e espirituosa, que nos conquista desde o início. Ruby é uma personagem bem delineada e há um interessante contraponto entre as suas dificuldades de comunicação e o seu rico mundo interior, temperando o ritmo acelerado da acção.
A atmosfera torna-se cada vez mais surreal e alienígena à medida que as duas se embrenham nas profundezas gélidas do Ártico, coincidindo com o crescente desespero e cansaço das personagens. O livro combina esta viagem física com uma espécie de viagem espiritual paralela, cujo destino é uma ligação mais profunda entre elas.
Apesar do enredo pouco plausível, “O Som do Silêncio” é um thriller competente e ritmado, complementado com uma linguagem poética imaginativa e uma caracterização cuidada dos seus personagens. O clima de tensão e claustrofobia crescente é bem construído, e a resolução do mistério é elegante – ainda que um pouco previsível.
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