Foi, como em quase tudo na vida de Oscar Wilde, um escândalo tremendo. Publicado pela primeira vez em Julho de 1890 na Lippincott`s, uma revista mensal americana, “O Retrato de Dorian Gray” (Guerra e Paz, 2021) foi alvo de um exercício de corte e costura da parte do editor que, temendo acusações de indecência, apagou as (muitas) passagens que considerou ofensivas ou chocantes. Um ano depois, seria o próprio Wilde a avançar com a sua publicação, então em formato livro, numa versão revista e aumentada que elegia a beleza – a sua busca e fruição – como o objectivo máximo da existência humana.
No centro da trama está Dorian Gray, um esbelto rapaz que o pintor Basil Hallward decide imortalizar em tela, recusando-se depois a exibir o quadro por nele ter posto demasiado de si – até mesmo “o segredo da minha própria alma”. Quem se perderá de amores por Dorian, ainda que revelado através de muitos sub-entendidos, é Lorde Henry – ou Harry -, que faz de Dorian o seu protegido, bem como à beleza que este em si contém: “Nele se reflectia todo o candor da juventude, mas também toda a sua apaixonada pureza. A sensação que dava era a de não se se ter deixado macular pelo mundo”.
Adepto de “espicaçar o egoísmo inconsciente do rapaz”, Harry mostra-se especialmente implacável e desagradável para com as mulheres: “Nós emancipámo-las mas nem por isso deixam de ser escravas à procura de um amo”. Este estado idílico termina quando às mãos de Dorian Gray chega um livro amarelo e venenoso, sob o qual irá estar sob influência durante uma série de anos. Chega mesmo a encomendar nove exemplares impressos da primeira edição, mandanod-os “encadernar com cores diferentes para que melhor se adaptassem aos seus diversos estados de espírito e aos inconstantes caprichos de uma personalidade que parecia, por vezes, já não conseguir controlar”. E que o faz olhar, de outra forma, para aquela beleza que aos outros fascina, e que nem a passagem do tempo consegue apagar – como se de uma eternidade se tratasse.
Oscar Wilde colocou, em Dorian Gray, um lembrete da corrupção – quase sempre invisível – da alma, da breve inocência, do fascínio pelo pecado, isto numa época de sordidez e sensualidade que olhava para a homossexualidade como um crime. Oscar Wilde foi um dos que teve a vida mais complicada, e tudo por causa da sua relação proibida – por lei – com Alfred Douglas. Depois de um célebre julgamento – a transcrição do interrogatório está incluída nesta edição -, Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos esforçados, um confinamento obrigatório no qual aproveitou para escrever uma belíssima carta de desamor, com mais de 150 páginas, na qual olhou para lá do ideal grego que viu em Douglas – o seu Dorian Gray? – e esmiuçou a relação à lupa, com muito desencanto e amargura: “A minha submissão aos teus pedidos foi prejudicial para ti. Sabe-lo agora. Tornou-te muitas vezes ávido, por vezes até sem escrúpulos e sempre desagradável”. Mas, também, colocando-se no papel de artista-mártir: “Talvez eu fosse escolhido para te ensinar qualquer coisa de mais maravilhoso: o significado e a beleza do Sofrimento”. Um livro que é a pura adoração dos sentidos, uma declaração à beleza em todo o seu engano e efemeridade.
Conteúdo selecionado para o artigo “11+ livros incríveis para celebrar o Dia Mundial do Livro“, publicado no blog da editora educativa Twinkl.
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