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“O Retrato de Dorian Gray” | Oscar Wilde

Por Nelson Ferreira · Em 01/08/2016

Comecemos pelo fim, mas não pelo fim do romance de Oscar Wilde, “O Retrato de Dorian Gray” (Guerra & Paz, 2016). Não vos damos essa desfeita. Se já conhecem (e as probabilidades são altíssimas), deixem-se estar à mesma. Sejamos directos: o romance foi esmiuçado para suportar uma posterior acusação a Oscar Wilde por “sodomia e indecência”. Nas páginas finais desta edição pode ler-se a transcrição do interrogatório ao autor, com todo o seu carácter à tona, de convicções fortes e humor acutilante.

Pelas perguntas moralistas e as respostas estilo “isto é um não-assunto” de Wilde, ficamos esclarecidos que o subtexto homossexual em “O Retrato de Dorian Gray” não é fruto da nossa imaginação. Dirão alguns, “o que é que isso interessa? É evidente e igualmente um não-assunto”. Citando Seinfeld, “não que haja algo de errado com isso”. De facto, se exceptuarmos o contexto social do autor e ser forçosamente necessário recorrer a torneados literários para abordar um assunto concreto e objectivo que hoje em dia já vai podendo ter o privilégio de estar despido de qualquer pudor, existem coisas muito mais interessantes a serem analisadas na obra-prima de Oscar Wilde.

Agora, para algo completamente diferente. Ou talvez não, mas é feito por Wilde de maneira intocável. “O Retrato de Dorian Gray” é um livro com antes e depois. Numa primeira parte, impera um reforço da vaidade pelo elogio tão absurdo que chega a desafiar o intelecto do leitor, e uma ingenuidade profunda da maior parte dos personagens que são chamados a intervir sobre envelhecer e a velhice, ou sobre o amor. Aqui, a excepção à regra é o eloquente Henry Wotton, que, de cada vez que abre a boca, oferece-nos um tratado ou manifesto filosófico sobre a arte, o belo na base da estética, as mulheres e os homens, a vida, a sociedade, tudo e todos. Consideremos Henry Wotton como peça vital na profundidade, geradora de reflexão, da obra de Wilde. Digamos que o autor nem sempre tinha razão (aforismos valem o que valem) – ao contrário do que afirmava Jorge Luis Borges -, mas o seu pensamento sobre a arte mantém-se, nos pontos essenciais, tão válido como quando concebeu a marcante abertura da obra, que paira sobre as restantes páginas.

O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde,Guerra & Paz,Na segunda parte (não se trata de uma divisão oficial de Wilde, já que os capítulos se vão sucedendo normalmente) temos uma viragem de meio círculo, algures entre o romance de género (thrillers, que, regra geral, tornam o mistério em torno de gente que mata gente uma fórmula vencedora) e um tributo a Fausto, de Goethe. Não há recompensa maior para um leitor que a passagem em que Dorian Gray, já envelhecido, mas que ainda assim conserva uma aparência estranhamente jovem e de beleza hipnótica, revela a Basil Hallward (autor do retrato que gera tanta discussão sobre a arte e a beleza e a velhice e a inspiração de um artista que teima em acreditar em musas) a pintura que este concebera e que se transfigurara na mais pura representação do mal. É das mais monumentais demonstrações do poder aliciante da escrita através da construção genial de um capítulo, e que reforça a vontade de avançar no romance até conclui-lo.

A tarefa de escrever sobre Dorian Gray, como que chegando por último, é ingrata. Mais importante que qualquer polémica (ou não-assunto) com que demos mote a este texto, e como foi demonstrado, esperamos, há na obra muito mais que a preferência sexual de alguns dos personagens ou do próprio autor. É o arquétipo do romance popular, que ganhará corpo até ser uma máquina bem oleada e sem alma, que é precisamente algo que não falta a “O Retrato de Dorian Gray”.

Guerra & PazO Retrato de Dorian GrayOscar Wilde

Nelson Ferreira

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