Escrito em 1995, “O Palácio do Riso” (Antígona, 2016 – reedição) convida o leitor a entrar na conhecida casa designada por Villa Grimaldi, lugar de horrores que a transformaram num dos maiores centros de detenção e de tortura – estima-se 100.000 torturados e 4.000 mortos e “desaparecidos” – durante a ditadura militar de Pinochet. Referindo-se a uma atracção circense com espelhos deformantes, a polícia política do regime preferiu sempre a designação de Palácio do Riso.
O narrador – o próprio autor, tal a evocação autobiográfica – faz uma viagem aos seus tempos de adolescente onde, colega de escola de um dos filhos (António) dos proprietários da então mansão de Peñalolén – que mais tarde veio a ser (tristemente) conhecida como Villa Grimaldi,- privou de perto com uma família feliz e muito afectuosa, pela qual o narrador nutriu profundo afeto: “(… )éramos rapazinhos felizes a quem a vida sorria”.
Trata-se de um romance perfeito, que segue uma história romântica através da personagem Mónica, ao mesmo tempo que recria a história da mansão, a personagem principal: ”Quando a visitei naquela manhã de Dezembro, dois meses depois de chegar ao Chile, da chamada Villa Grimaldi só restavam os vestígios dos seus alicerces sob o matagal que crescia, selvagem e verde, alimentado pelas chuvas do último Inverno, por entre os escombros menores que os dentes da escavadora não conseguiram apanhar. (…) Por cima dos velhos muros de adobe que rodeavam o local, viam-se, soltas e vencidas, mas ainda presas às suas estacas, as fileiras ferrugentas de arame farpado que denunciavam a natureza do recinto do que chegou a ser a VIlla Grimaldi”.
A partir deste momento (o momento presente no romance) o autor fala da então ditosa mansão, rodeada de parques magníficos, que se tornou (qual Chile) uma casa mutilada por funestos algozes e que se desfigurou com a barbárie. O romance encerra uma profunda reflexão sobre a alma humana, a história da decadência de um país e a sua memória colectiva. Trata-se de expor a infâmia e a ignomínia a que o país esteve sujeito durante os dezassete anos da ditadura de Pinochet e que o marcou, traumaticamente, até aos dias de hoje. Um livro imprescindível para o leitor compreender os desmandos da alma humana, escrito com o sentimento de um cumprimento de “um dever cívico e literário”.
Figura maior das letras, Germán Marín marcou a literatura chilena do seculo XX. Sendo um autor profundamente erudito tem também um vasto conhecimento sobre o Velho Continente, o que torna fascinante a segurança com que escreve, com recurso a abundante acervo documental, exactamente como o faria um historiador. Escreveu quase duas dezenas de livros sobre a política chilena, que o próprio reconhece como um “ajuste de contas com o passado”.
“O Palácio do Riso”, como o autor disse numa edição de 2014, foi “escrito com a liberdade da ficção a realidade filtrada nas suas páginas”, demonstrando como, “apesar do jogo das palavras, estas às vezes correspondem à verosimilhança, também possível de imaginar”.
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