É, tanto no que toca a páginas escritas como à qualidade das mesmas, um dos épicos maiores da literatura fantástica. Deixando de lado a prequela e um ou outro afluente, A Roda do Tempo é uma série de 14(!) livros escrita por Robert Jordan – e, posteriormente, por Brandon Sanderson, após a morte de Jordan -, que oferecem tudo aquilo que um nerd da literatura fantástica procura: volumes a tocar as mil páginas, um mundo imaginário que vai ao detalhe e uma galeria de personagens complexas e muito bem trabalhadas. Uma série que, até à data, apenas tinha quatro volumes disponíveis na edição portuguesa, e que implicou qualquer coisa como 22 anos, 11 meses e 24 dias.
No que toca ao ambiente, a história – sem entrar em grandes spoilers – vai mais ou menos assim: uma divindade conhecida apenas como o Criador foi a responsável pela criação do universo e da Roda do Tempo. Esta última não tem fins ou começos: apenas existe, tecendo os dias na Terra. Roda graças ao Poder Único, obtido da Fonte Verdadeira, composta da energia de metades masculinas e femininas (saidin e saidar, respectivamente, qualquer coisa como o yin e o yang da sexualidade). Os humanos que conseguem manipular essa força são chamados de canalizadores, e a principal organização mencionada nos livros capaz disso são as Aes Sedai, composta exclusivamente por mulheres na era actual da história. No momento da criação o Criador aprisionou o Tenebroso, mas uma experiência mal-sucedida das Aes Sedai libertou acidentalmente a sua energia maligna no mundo.
“O Olho do Mundo” (Bertrand, 2019), primeiro volume da saga – escrito em 1984 e que viu a luz da edição seis anos mais tarde -, transporta o leitor até Dois Rios, um lugar pacato onde tudo o que tem a ver com a guerra ou com o fantástico apenas chega através de lendas e histórias, “narradas a altas horas da noite, em frente à lareira, com uma só vela a projectar estranhas sombras na parede e o vento a ulular contra os taipais”, contadas de geração para geração ou por viajantes que, muito de vez em quando, atravessam a vila em busca de umas moedas extra.
Uma dessas lendas é a de que o mundo acabaria quando o verdadeiro dragão renascesse. E, se durante vinte anos ninguém declarou tal poder, nos últimos cinco anos foram pelo menos três a chegar-se à frente, sem que contudo tivessem revelado qualquer aptidão para além de uma admissão no Júlio de Matos lá do sítio.
Em Dois Rios vive Rand al’Thor, um jovem que sonha com uma aventura que lhe transforme a vida. Estamos na época dos festejos de final de inverno — o mais rigoroso das últimas décadas —, mas nem toda a agitação necessária para pôr de fé o festival impede que todos dêem conta da chegada de uma misteriosa forasteira.
Quando a vila é invadida por criaturas que, para a maioria dos habitantes, apenas tinham lugar no universo das lendas, a mulher não só ajuda Rand e seus amigos a escapar dali como, também, os conduz à aventura com que sempre sonharam. A desconhecida é Lady Moiraine, uma Aes Sedai, artífice do poder que move a Roda do Tempo e que acredita que Rand ou um dos seus amigos – Perrin ou Mat – são o profético Dragão Renascido – aquele que poderá salvar ou destruir o mundo.
“– Falar-lhes-ei do fim da Era das Lendas, do Dragão e da sua tentativa de soltar o Tenebroso no mundo dos homens. Falar-lhes-ei da Época da Loucura, quando as Aes Sedai destruíram o mundo; das Guerras dos Trollocs, quando os homens lutaram contra eles pelo domínio da terra; da Guerra dos Cem Anos, quando os homens lutaram contra os homens e se formaram as nações que existem hoje em dia. Falar-lhes-ei das aventuras de homens e de mulheres, de ricos e de pobres, de grandes e pequenos, de orgulhosos e humildes”. As palavras pertencem a Thom Merrilin, mas será Robert Jordan a cumprir a palavra do jogral, apresentando o leitor a um conjunto de personagens que se lança numa demanda bem ao estilo de O Senhor dos Anéis – Jordan era grande fã de Tolkien e isso é notório.
Espera-se agora que possamos chegar à publicação integral dos 14 volumes, algo que irá deixar feliz qualquer prateleira dedicada à boa fantasia.
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