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O Ódio a Si Mesmo, Alain de Botton, Deus Me Livro, Crítica, D. Quixote, Dom Quixote
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“O Ódio a Si Mesmo” | Alain de Botton

Por Ana Ilhéu · Em 09/08/2023

“O Ódio a Si Mesmo” (D. Quixote, 2023), de Alain de Botton, não é um livro de auto-ajuda, ou pelo menos é muito mais do que isso. É um poderosíssimo ensaio sobre a nossa tendência para o auto-boicote, que desenvolvemos com afinco. Alain de Botton propõe que o ódio a si mesmo seja reconhecido e estudado como uma das maiores causas de infelicidade, desespero, solidão e suicídio.

A obsessão do ser humano com o dever ser que atribui a si próprio – o que devia ter alcançado, a aparência que devia ter, o que os outros deveriam dizer sobre si -, fá-lo carregar expectativas atormentadoras e infligir-se profundos desconfortos, tantas vezes amordaçados pela mente, mas bem patentes num corpo que também comunica através da tensão muscular, das insónias, dos problemas intestinais e, quando não, no pináculo da auto-destruição, com ideação suicida.

Neste livro, Alain de Botton desafia-nos a fazer algo aparentemente simples e, ainda assim, tão longe das nossas práticas: a auto-aceitação. Algo que não anula os fundamentos da auto-crítica, que aceita que nos possamos sentir tristes e pouco confiantes com alguns aspectos da nossa existência, mas que pede para sermos realistas na avaliação dos nossos pontos fortes e fracos. Para superarmos a antipatia que frequentemente nutrimos por nós, diminuirmos a auto-recriminação, esquecermos alguns dos passos em falso que possamos ter dado, tolerarmos a nossa aparência e diminuirmos a obsessão relativamente à nossa vida profissional e ao patamar em que gostaríamos de estar. Em suma, para abandonarmos o “apego maníaco à possibilidade de uma vida perfeita”, certos de que o perfecionismo acaba por ser o combustível secreto do ódio a nós mesmos.

O gozo de ler este livro está, entre muitos outros aspectos, no facto de não nos impor chavões de aumento do amor-próprio, impelindo-nos tão só à auto-aceitação, ao reconhecimento de que a presença pontual da insatisfação connosco é aceitável, que a culpa, o arrependimento e a melancolia também cá podem morar de vez em quando. O desafio parece estar em assegurar que este ódio a nós próprios não é dominante e paralisante, não comprometendo o futuro.

Alain de Botton deixa-nos pistas a utilizar na identificação e avaliação desta erva daninha na nossa identidade. Sem cálculos complexos, chega-se a um quadro indicativo das situações que alimentam este padrão de auto-depreciação e boicote. Em situações-limite, poder-se-á ter de admitir existir um quadro grave de doença, e já não só a convicção de ser horrível. Nessa altura, não há como não procurar ajuda, não bastando a aceitação do sofrimento e da crueldade auto-infligida.

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Revela-se impressionante como este ódio grassa, também, entre os mais improváveis: os que sempre estiveram envolvidos em grandes conquistas, consensualmente consideradas como pessoas bem-sucedidas; os peregrinos românticos, cuja vida amorosa facilmente suscita simpatia ou inveja; os que possuem as proporções ideais e a aparência excepcional e, ainda assim, não se suportam; os que se sentem impostores quando são chamados a, merecidamente, assumir papéis de destaque. Em qualquer uma destas situações, bem como noutras tantas apresentadas por Botton, o desafio estará também no rastreamento deste ódio a nós mesmos, procurando as suas origens e retirando-lhes o poder de contaminarem o modo como se vive.

A leitura deste pequeno – mas sideral – livro permitirá que, mesmo que não fiquemos loucamente agradados connosco nem nos deixemos arrebatar por uma ideia de superioridade, é possível olhar com objectividade para as nossas falhas, controlar a auto-flagelação e aceitar pertencer a uma espécie imperfeita e imprudente, olhando com benevolência os nossos disparates.

Alain de Botton começou a escrever ainda jovem. O seu primeiro livro foi publicado quando tinha 23 anos. Desde então tem escrito diversos ensaios, descritos como de uma “filosofia da vida quotidiana”. Escreveu sobre amor, viagens, arquitectura e literatura, com sucesso em mais de 30 países. Nascido em Zurique, na Suíça, em 1969, vive agora em Londres. Para além de fundador e administrador da intitulada The School of Life, dedicada a uma nova visão de educação, continua empenhado em reflectir sobre as formas que ajudam as pessoas a levarem uma vida melhor.

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Ana Ilhéu

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