Gertrude Stein (1874-1946), escritora de vanguarda norte-americana que reinventou géneros e criou registos literários muito próprios, possui uma vasta e profundamente original obra , com títulos como “Three Lives” (1909), ”Tender Buttons” (1914); “The Making of Americans “(1925) ou a “Autobiografia de Alice B. Toklas” (1933) – este último livro foi considerado uma das vinte melhores obras de não ficção em língua inglesa.
Assim, quando em 1938 Margaret Brown (escritora infanto-juvenil, então à frente da Chancela Young Scott Books) teve a ideia de convidar autores consagrados para escreverem livros para crianças – após receber recusas de Hemingway e Steinbeck -, viu Stein aceitar entusiasticamente o convite.
Publicado originariamente em 1939, “O Mundo é Redondo” (Ponto de Fuga, 2017), livro onde está incluída a célebre divisa uma rosa é uma rosa é uma rosa (estribilho que se tornou icónico na literatura infantil), foi inspirado por Rose d´Aiguy, uma menina de nove anos vizinha de Stein, e pelos dois cães da referida criança: Pépé e Love.
Gertrude Stein determinou que as páginas fossem cor -de- rosa, condizendo com o nome da personagem principal, e que o texto de ”O Mundo é Redondo” fosse impresso na sua cor preferida: o azul. Stein nunca foi condescendente com os leitores, muito menos sendo eles crianças.
O livro – uma prosa que suscita perplexidade pela escrita sempre continuada “por aí afora”- é arrojado, encantado, cantado, desafiante e apelativo, não só do ouvido como também do subconsciente; possui um ritmo quebrado e uma musicalidade muito peculiar e intrínseca ao jogo de palavras: escrito sem qualquer ponto de interrogação ou de exclamação, sem ponto e vírgula, sem dois pontos, sem aspa ou travessão – apenas com vírgulas e pontos.
O leitor (criança e adulto) é livre para se orientar na originalidade rítmica do texto, nos jogos permanentes e sincopados de palavras e sons, mas Gertrude Stein deixou esta orientação de leitura de um texto que é, por si só, soberano: “Não se importem com as vírgulas que não estão lá, leiam as palavras. Não se importem com o sentido que lá está, leiam as palavras mais depressa. Se tiverem alguma dificuldade, leiam mais e mais depressa até não terem”. As ilustrações desta edição, belíssimas, são da autoria de Rachel Caiano. Atentemos nas palavras quase mágicas escritas pelo editor no Interfácio, entre a versão portuguesa e a versão inglesa que compõem o livro.
“Continuemos, pois, a ler “O Mundo é Redondo” como manifestação maior dessa necessidade profunda de uma escrita contínua, que anda à roda e à roda e à roda e à roda, como o mundo anda à roda e Rosa anda à roda do mundo que anda à roda de Rosa no mundo à roda. Como um livro que não tem que ver com crianças que não tem que ver com adultos. Porque um livro se quer só livre para ser livro. E lido. Um livro é um livro é um livro.”
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