O século XIII foi marcante na história de Portugal, tendo abrangido a conquista de território aos mouros, a celebração de acordos com Castela, a implementação de diversas reformas e a substituição de um rei, D. Sancho II, pelo irmão, D. Afonso III, por intermédio de uma bula papal. É nesta época que Pedro Beltrão situa a sua obra mais recente, intitulada “O Mordomo do Rei: a História de D. João Peres de Aboim, Senhor de Portel” (Oficina do Livro, 2021).
A personalidade referida no título corresponde ao filho mais velho do mestre de armas de D. Afonso que travou, com o futuro rei, uma amizade que durou da infância até à morte, tendo-lhe servido de conselheiro durante vários anos.
A primeira parte do livro decorre maioritariamente em França, onde o príncipe D. Afonso vive uma fase decisiva da sua formação. Ao seu lado, João de Aboim apaga-se, mas enriquece a narrativa através das suas deslocações a locais onde o infante não vai, desde uma exploração agrícola na Flandres – onde aprende técnicas desconhecidas em Portugal – até uma zona piscatória, onde tem uma aventura romântica. Na segunda parte, de regresso a terras lusas, acompanhando a ascensão do amigo ao trono e tornando-se “senhor de vastas e produtivas terras”, João assume plenamente o estatuto de protagonista.
Infelizmente, a obra apresenta fraquezas. A maneira como as personagens se exprimem não soa realista, mesmo tendo em conta as adaptações do português antigo ao moderno. Adicionalmente, há um recurso excessivo aos diálogos para transmitir dados históricos aos leitores, com certas personagens a veicular informação que decerto já seria do conhecimento dos interlocutores. Atente-se, a título de exemplo, ao seguinte excerto de uma conversa entre D. Afonso e Luís IX de França, ambos jovens, mas já não crianças (principalmente considerando os padrões da época):
“– Lá estão os ingleses, os plantagenetas, a implicar contigo – interrompeu D. Afonso.
– É verdade, mas eu e tu também somos dessa gente, não te esqueças de que a nossa avó Leonor era infanta de Inglaterra, irmã de Ricardo Coração de Leão e de João-sem-Terra.”
É questionável que o infante português precisasse de ser recordado da sua linhagem, ou que reduzisse os conflitos entre franceses e ingleses a uma implicância destes últimos.
Por oposição, há situações em que falta contextualização. Algumas são meros pormenores, como D. Brites dar lugar a D. Beatriz, sem que seja explícito que se trata da mesma pessoa, mas outras correspondem a factos relevantes. A meio do livro, uma nota de rodapé menciona que D. Afonso III esteve dois anos excomungado por bigamia, até à morte da primeira esposa. Todavia, no final, cerca de vinte anos depois, o rei pede ao amigo que solicite ao Papa o levantamento da excomunhão. Parece confuso, pois trata-se de uma segunda punição, que as breves alusões do texto a contendas com a Igreja Católica não faziam prever. Sendo D. Afonso III caracterizado como um bom governante, também não se percebe o que leva o chanceler a declarar, mais de duas décadas após o início do seu reinado, que o tesouro está esgotado. Talvez a consistência da obra fosse maior se parte do investimento nos episódios secundários tivesse sido desviada para o enquadramento destas questões.
É possível que os pontos fracos enunciados desiludam os apreciadores de romances históricos. Ainda assim, existem aspectos interessantes, dos quais se destaca o papel desempenhado pelos portugueses na história de França.
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