Charlie Mackesy foi cartoonista do The Spectator e ilustrador de livros da Oxford University Press. Colaborou com Richard Curtis para a Comic Relief e, a certa altura, com Nelson Mandela, num projeto de litografia intitulado ‘The Unity Series’. Mas foi “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo” (Suma de Letras, 2020), editado em livro no ano de 2019 após se ter transformado numa sensação online e em exposição, a pô-lo no radar literário, numa história que tem o seu quê de Principezinho dos tempos modernos.
Tudo começou quando Mackesy deu por si a desenhar um rapaz muito dado à introspecção, que falava com um cavalo sobre os seus sentimentos – e que, em troca, recebia a confissão de que a coisa mais corajosa que tinha feito na vida havia sido pedir ajuda. Quando colocou esses primeiros desenhos no Instagram, hospitais, instituições e até o exército partilharam a coisa, e começou a receber e-mails de pessoas a dizerem-lhe que os tinham usado em sessões de terapia, mostrando que não há que haver receio em mostrar sinais de medo ou fraqueza.
Charlie Mackesy afirmou, numa entrevista, que cada uma das personagens representa uma parte da mesma pessoa: “O rapaz inquisitivo, a toupeira que é entusiasta mas também um pouco gananciosa, a raposa que foi magoada e por isso está retirada da vida, que demora a confiar mas que quer ser parte das coisas, e o cavalo que é pedaço mais sábio, a parte mais profunda, a alma”. Ou, como escreve no livro, “o menino está cheio de perguntas, a raposa adora bolo. A raposa é, sobretudo, calada e cautelosa, porque a vida a magoou. O cavalo é a maior coisa que há viram, mas também a mais delicada”.
Foi Laura Higginson, da editora Ebury que, depois de descobrir os desenhos de Mackesy no Instagram – na altura em que este tinha já mais de 30000 seguidores -, começou a pensar em transformá-los em livro, algo que ficou ainda mais decidido depois de se terem encontrado numa exposição de desenhos de Mackesy – segundo este, choraram ambos depois de ter desvendado o fio que une todas as personagens.
Como podemos ler logo de entrada, Charlie Mackesy não estaria muito seguro de ter escrito um grande livro, até porque não era grande leitor: “É surpreendente eu ter escrito um livro porque não sou grande coisa a lê-los. A verdade é que preciso de imagens, elas são como ilhas, lugares onde chegar num mar de palavras”. E, talvez por isso, Mackesy trate desde logo de definir as anti-regras que presidem à sua leitura, como valer começar pelo meio, escrevinhar nas páginas, dobrar-lhes os cantos ou deixar os dedos bem marcados”.
Imagens que são, diga-se, o prato principal deste livro, numa combinação de diferentes técnicas, materiais e cores que faz com que naveguemos por esta edição, servida em capa dura, como se nas mãos tivéssemos um caderno gráfico emprestado pelo autor, onde há letterings redondos desenhados com esmero, esboços, experiências ou ilustrações finais, tudo tendo a excelência como denominador comum. Pelo meio há, como no Principezinho, alguns ensinamentos, mantras, pensamentos e frases de auto-ajuda ou motivação, como “Muitas vezes, a pessoa a quem tens mais dificuldades de perdoar é a ti próprio”, “Só conseguimos ver o nosso exterior, mas quase tudo acontece no interior” ou, para pôr algum gelo no sentimento, “se não conseguires à primeira, come bolo”. Amor, amizade, imperfeição e introspecção, num dos mais deliciosos e belos livros que vão descobrir este ano nas livrarias.
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