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O Livro de Areia, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal, Jorge Luis Borges
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“O Livro de Areia” | Jorge Luis Borges

Por Pedro Miguel Silva · Em 02/09/2022

Publicado em 1975, “O Livro de Areia” (Quetzal, 2022 – nova edição) foi a derradeira colectânea de contos do argentino Jorge Luis Borges, e inclui algumas das suas maiores invenções literárias: um livro com páginas infinitas, outro feito de areia ou literaturas feitas de uma palavra só.

Primeiro esquecer, depois lembrar. Ideia presente em O Outro, conto com referências livrescas onde o encontro com o “eu” passado irá revelar o “eu futuro”: “– Não sei a conta dos livros que escreverás, mas sei que são demasiados. Escreverás poesias que te darão um agrado não compartilhado e contos de índole fantástica. Darás aulas como o teu pai e como tantos outros do nosso sangue”. Entre outras verdades, descobrimos esta: “O poeta do nosso tempo não pode virar costas à sua época”.

Em Ulrica, a crónica de um encontro que abarca uma noite e a manhã seguinte, há uma rapariga que rejeita uma linha de William Blake, onde este “fala de raparigas de suave prata ou de furioso ouro”, dizendo reunir nela tanto o ouro como a suavidade. Um conto com alma feminista onde se lê que “o que dizemos nem sempre se parece connosco”.

O Congresso mostra-nos um narrador que, nos anos 1970, se mostrava avesso às novidades, por considerar que estas não passam de meras variações. A sua motivação é recordar o tempo em que fez parte do Congresso do Mundo, que representava todos os homens de todas as nações. Um ajuntamento com o seu quê de Kafkiano: “Importa haver sentido que o nosso plano, que por mais de uma vez defraudámos, existia realmente e secretamente e era o Universo e nós próprios”.

There are more things é um conto à memória de Lovecraft, que Borges dizia ser um parodista involuntário de Edgar Alan Poe. A partir da ausência de um tio, que o faz recordar o que se sente quando alguém morre – “a angústia, já inútil, de que nada nos teria custado ter sido melhores”, e de que não somos mais do que mortos que conversam com outros mortos -, o narrador debruça-se sobre a origem do tempo e o desmantelamento de uma casa, ocupada por um esquivo habitante.

A partir do fragmento de um manuscrito que se diz datar do século IV da era cristã, listam-se os muitos mitos que fundaram A Seita dos Trinta, recuando-se ao nome e ao episódio bíblico dos Trinta Dinheiros, onde na “Tragédia da Cruz” se descobrem “actores voluntários e involuntários, todos fatais”. Quanto aos voluntários, o Redentor e Judas, “a seita venera-os por igual e absolve os outros”.

O debate sobre o problema do conhecimento está no centro de A Noite das Mercês, a história em que pela primeira vez e na mesma noite o protagonista experienciou o amor e a morte – mas que é também sobre a história e a memória. “Os anos passam e são tantas as vezes que tenho contado a história que já nem sei se a recordo deveras ou se apenas recordo as palavras com que a conto”.

O espelho e a máscara é dominado por Ollan, um poeta que é um verdadeiro ás: “Adestrei-me na sátira, que causa enfermidades da pele, incluindo a lepra. Sei manejar a espada, como o provei na tua batalha. Só uma coisa ignoro: como agradecer o dom que me fazes”. O rei, que venceu uma batalha tremenda, quer ser Eneias, e que o poeta seja o seu Virgílio. Depois de um ano inteiro dedicado a escrever uma loa, que não arrancou sequer um grito de batalha ou a palidez a alguém, surge uma nova oportunidade para Ollan brilhar, acompanhada pela oferta de um espelho de prata, seguida de uma máscara de ouro. Tudo para nos mostrar que a beleza é um dom vedado aos homens.

Undr apresenta-nos à nação dos urnos, que confina com o deserto e é feita de pastores, barqueiros, feiticeiros, forjadores de espadas e tecelões. E a uma poesia que se resume numa única palavra: maravilhamento.

A Utopia de um homem que está cansado pertence a Eudoro Acevedo, nascido em 1897 em Buenos Aires, com 70 anos e professor de letras inglesas e americanas e escritor de contos fantásticos. “Mas não falemos dos factos. Já a ninguém importam os factos. São meros pontos de partida para a invenção e o raciocínio. Na escola ensinam-nos a dúvida e a arte do esquecimento”. Um conto onde se prefere a releitura e se assiste a uma visão do futuro, a partir de uma tela “que alguém pintará, dentro de milhares de anos, com materiais hoje dispersos no planeta”.

O Livro de Areia, Deus Me Livro, Crítica, Quetzal, Jorge Luis BorgesO Suborno é a história de dois homens que pecaram, ambos, por vaidade, mas de forma diferente e com resultados bem distintos.

Avelino Arredondo é um homem dotado de uma “invencível reserva, que entra em reclusão à espera do dia 25 de Agosto, dia em que “o tempo cessaria ou, melhor dizendo, nada importava o que aconteceria depois”. Um homem com uma missão, em busca de um tempo que confine com a eternidade.

O Disco é um conto sobre a cobiça, o poder e a obsessão, ptotagonizado por um lenhador com fama de avaro, que tinha prometidon juntamente com o irmãon arrasar todo o bosque até não ficar uma única árvore de pé.

A finalizar temos O Livro de Areia, um dos mais celebrados contos de Borges, que se chama assim por nem ele nem a areia terem um princípio ou um fim. Há, nestas páginas, uma biblioteca infinita e um livro que é um verdadeiro monstro, numa espécie de Biblioteca de Babel concentrada.

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Pedro Miguel Silva

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