É mais um grande lançamento com o selo da G. Floy, que insiste em trazer-nos algumas das melhores e actuais histórias que atravessam o universo dos comics. “O Legado de Júpiter – Livro Um: Luta de Poderes” (G. Floy, 2018), escrito por Mark Millar e ilustrado por Frank Quitely, serve de bandeja uma história sobre o poder com alguma filosofia pelo meio, onde encontramos muitos pontos em comum com a temática da Guerra Civil, também ela escrita por Millar.
No ano de 1932 e seguindo aquilo que lhe foi transmitido em sonhos, Sheldon Sampson leva o seu irmão Walter e um pequeno grupo de companheiros em busca de uma ilha que não aparece em qualquer mapa-mundo ou carta marítima. Sheldon que, depois de ter perdido toda a fortuna familiar no crash americano de 1929, se interroga sobre o estado económico do mundo: “Poderá toda a nossa infra-estrutura ser destruída por um punhado de empréstimos e de banqueiros negligentes?“.
Décadas depois, Sheldon e Walter tornaram-se heróis celebrados em todo o mundo, ainda que nunca tenham falado sobre o que aconteceu muito tempo atrás numa ilha que continua por encontrar: “Nunca falámos do que aconteceu naquelas montanhas. Tudo o que sabe é que voltámos melhores e adornados com fatos que levantavam a moral de todos quantos nos viam“.
Os tempos são, porém, outros, entre dinâmicas familiares e o estado do mundo que, apesar de tanto heroísmo, insiste em caminhar para a auto-destruição e para uma distribuição desigual de recursos e riquezas.
Sheldon tornou-se o líder natural mas, nestes tempos modernos onde parecem não haver grandes batalhas a travar, ficou também bastante amargo, sério e implacável perante os erros dos filhos, sobretudo de Brandon, que olha para o pai com amargura e desprezo.
Walter, o irmão de Sheldon, cansou-se da sua posição subalterna, achando que chegou a altura de virar o sistema do avesso, deixando a democracia de seguir o seu caminho para dar lugar a um mundo governado pelos super-heróis, que tratariam de mostrar a todos o caminho, numa ideologia pós-capitalista que erradicaria a pobreza e a riqueza em menos de quatro anos.
Do outro lado da barricada está Sheldon, impassível perante a visão do irmão, continuando a professar que mesmo os heróis têm um dever de obediência em relação aos eleitos, e que a democracia, mesmo com todas as suas falhas, deverá estar na mão dos homens e não de heróis ou deuses. Ele que mantém o espírito da velha guarda, acreditando ainda em identidades secretas, no trabalho honesto e na força e no peso das instituições.
Quanto a Chloe, irmã de Brandon e filha de Sheldon, está grávida de Hutch, filho do maior super-vilão de todos os tempos. Hutch que, profissionalmente falando, se considera não um dealer mas um distribuidor de droga, sendo olhado por Sheldon como um tipo sem valor que deverá ficar afastado da filha.
A janela de oportunidade para Walter surge precisamente através de Brandon que, de todos os super-heróis, é o único que poderá fazer frente ao pai. Convencendo-o de que há um novo futuro à frente e de que será ele o seu grande artífice, Walter põe em marcha uma revolução de todo o tamanho. Algo que irá mudar não apenas o estado do mundo como, também, toda a dinâmica familiar alargada, dando início a uma luta pelo poder e, sobretudo, pela sobrevivência.
As ilustrações de Frank Quitely saem um pouco fora do domínio habitual dos comics americanos, piscando o olho a latitudes mais francófonas, tanto ao nível do traço como no que diz respeito às cores e ao uso de uma intensa luminosidade.
É ao nível dos dilemas morais e das visões diferentes sobre o andamento do mundo que encontramos pontos de contacto com a Guerra Civil, mas “O Legado de Júpiter” oferece um pouco mais de cérebro e aponta alto ao inesperado, terminando este primeiro volume em 2022, já com uma nova geração pronta a colocar o mundo de volta nos eixos. Uma série com assinatura que promete e muito.
Reúne os números #1-5 de “Jupiter’s Legacy”, escrito por Mark Millar e ilustrado por Frank Quitely
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