Se, os leitores das Crónicas do Gelo e do Fogo, receberam uma facada no coração com o facto de George R.R. Martin ter decidido atirar com a literatura às urtigas para se vender aos cifrões televisivos, os amantes da saga Millennium não tiveram também vida fácil, tendo de decidir se, depois da morte de Stieg Larsson, valeria a pena continuarem a seguir as pisadas de Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist.
Talvez seja tudo uma questão de perspectiva. Na banda desenhada, por exemplo, as apropriações são melhor toleradas, com séries como Spirou e Fantásio ou Michel Vaillant a conhecerem seguimento, mesmo depois de os seus criadores terem ficado sem tinta nas canetas permanentes ou de pintar.
“O homem que perseguia a sua sombra” (D. Quixote, 2017) é já o quinto livro da série Millennium, o segundo escrito por David Lagercrantz. E não será preciso um olho bem treinado para apontar diferenças entre a escrita de Larsson e Lagercrantz, como o facto de o primeiro ter a habilidade de tecer melhor a trama – e de escrever também melhor – e o facto de o segundo se perder, por vezes, em frases mais dadas ao sentimento. Porém, se nos ativermos à forma que Lagercrantz encontrou para dar seguimento à empreitada montada por Stieg Larsson, a verdade é que o leitor não ficou assim tão mal servido. Blomkvist continua a ser um investigador e um engatatão de primeira água e, quanto a Salander, bem, continua a ser Salander.
Lisbeth Salander que cumpre uma pena de curta duração no estabelecimento prisional feminino de Flodberga, aproveitando para ir estudando Física ao mesmo tempo que tenta não entrar nos jogos de poder entre reclusas. Algo que fica em risco quando Salander decide proteger Faria Kazi, a jovem que ocupa a cela vizinha e que é constantemente abusada por Benito, a reclusa que domina o bloco B e que instalou um clima de corrupção, medo e insegurança no estabelecimento prisional, untando também a mão a alguns elementos das forças da lei e ameaçando também o seu director.
Enquanto isso, Holger Palmgren, o antigo tutor de Lisbeth, visita-a para lhe dizer que recebeu documentos que contêm mais informações sobre os abusos de que ela foi vítima em criança. Lisbeth pede ajuda de Blomkvist para a ajudar a investigar Leo Manheimer, sócio da prestigiada correctora Alfred Ögren, que parece estar de alguma forma ligado a Lisbeth. Uma investigação que irá conduzi-los a uma terrível experiência implementada na Suécia no século XX, num livro que aborda também o tema do fundamentalismo e a opressão sobre as mulheres. Mesmo que esteja uns furos abaixo dos primeiros três volumes, a série Millennium continua com pernas para andar (pelo menos mais uns volumes).
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