É mais um volume da colecção tsuru, a colecção de novelas gráficas publicada com o selo da Devir. Depois de “O Homem que Passeia”, “Nonnonba” e “Marcha para a Morte”, o último livro a chegar às livrarias dá pelo nome de “O Gourmet Solitário” (Devir, 2020), onde seguimos um homem com um paladar requintado e um forte potencial de crítico gastronómico que, através dos muitos e variados pratos que vai experimentando, nos conta histórias deliciosas sobre os pequenos prazeres e a cultura japonesa, numa visão muito humana que faz crescer água na boca.
Inogashira é um vendedor que tanto vende copos venezianos como roupas importadas de Paris. Um tipo conservador e solitário que, durante as suas muitas deambulações profissionais por muitos lugares do Japão, é assaltado por um pensamento recorrente: “Ah… estou a morer de fome”. Alguém que vive bem consigo próprio depois de se ter separado de uma actriz famosa, que considerava que no Japão era sempre necessário ajustar o comportamento próprio ao julgamento exterior. Depois desta cisão, Inogashira parece ter encontrado o seu mantra: “Não ter de dar contas a ninguém, assumir a solidão, para mim é isso que significa ser um homem”.
Com ele comemos em tascas, mesmo quando somos olhados de lado por usar um fato completo. Vamos a bares às 9 da manhã, onde já é possível provar Unadon (tigela de arroz coberto com uma fatia de enguia embebida num molho adocicado e depois grelhada) ou Ikuradobuguke (ovas de salmão conservadas em shoyu). Fazemos exercícios de adivinhação, como imaginar as profissões dos silenciosos companheiros de mesa e o onde estes estarão dentro de alguns anos. Conhecemos clientes vulgares, bem-dispostos e até atiradiços. Torcemos o nariz ao McDonald`s mas também a restaurantes bio, onde “os empregados têm um ar superior… como se nos dissessem que devemos cuidar melhor do planeta”. Experimentamos um churrasco ao estilo coreano, onde podemos grelhar a nossa própria comida na chapa que fica no centro da mesa.
Inogashira, que acha cruel que um prato de comida não traga sempre arroz e não foi feito para beber álcool, mostra-nos, através da comida, o Japão mais tradicional, seja através dos pensamentos próprios como de um olhar atento sobre aqueles com quem se vai cruzando nas suas solitárias viagens por diferentes bairros e cidades. A sua veia gastronómica surge, bem evidente, no desenho primoroso dos pratos que vai experimentando, acompanhados por comentários, preços e notas de rodapé, tudo digno de um crítico profissional.
Comidas são recordações. Sabores são memórias. Já este livro é literatura gourmet, premiado no Festival de BD de Munique com o Prémio Peng! – Der Münchner Comicpreis, na categoria de Melhor Manga em 2015. Recebeu também uma nomeação para o prémio cultural Osamu Tezuka em 2016.
Jiro Taniguchi nasceu em 1947 na província de Tottori. Leitor de mangá desde a juventudedecidiu em 1969 tornar-se mangaká, mudando-se para Tóquio, onde se tornou assistente do artista Kyota Ishikawa, com quem trabalhou durante cinco anos. Publicou o seu primeiro trabalho, Karete Heya, no início da década de 1970; desenhou alguns mangás eróticos e tornou-se assistente de Kazuo kamimura, um autor famoso no Japão. Decidiu, então, trabalhar por conta própria e associou-se ao argumentista Natsuo Sekigawa, com quem publiocu mangás policiais e de aventura e Botchan no Jidai, a partir de 1987, um panorama da literatura e da política japonesa no período Meiji, em homenagem ao escritor Natsume Soseki. A descoberta da banda desenhada europeia, ainda no final da década de 1970, em especial da linha clara de autores como Hergé ou Moebius, marcou uma reviravolta na obra de Taniguchi, que se traduziria de forma mais concreta quando, a partir de 1991, optou por trabalhar sozinho, escrevendo e desenhando as suas próprias histórias. A partir daí, com raras excepções, a obra do autor japonês regista as suas experiências pessoais e a observação atenta dos seus pares e do quotidiano, retratado através das coisas corriqueiras que o compõem e o tornam, ao mesmo tempo, universal, conferindo-lhe uma imensa credibilidade. Faleceu em 11 de Fevereiro de 2017.
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