Passaram-se vinte anos desde que, durante a Segunda Guerra Mundial, a Itália foi derrotada pela Albânia. Numa missão provavelmente desenhada na obscuridade de um gabinete, um general italiano é enviado à Albânia para recuperar os corpos dos soldados italianos aí abandonados, enterrados numa lama que “detinha a verdade”, pronto a recuperar uma dignidade perdida num anonimato forçado.
Sem o prever, a sua história irá cruzar-se com a de outro general alemão, enviado com o mesmo propósito mas longe de contar com a mesma preparação, trabalho de campo, mapas e listas, sentido prático e trabalhos de casa em dia para tão complicada missão. Sobre a mesma desolação e enfrentando os mesmos fantasmas, rancores e dilemas, ambos irão travar contacto com o drama e a comédia da guerra – e como que replicando, agora de forma silenciosa, um mundo que é o espelho do outro. Talvez por isso ouçamos, a certa altura, o general alemão dizer: “Aquilo que fazemos é uma espécie de duplicado da guerra”.
Trata-se de uma reflexão profunda e mordaz sobre a guerra e as suas consequências, um olhar que se debruça sobre um passado comum e as feridas abertas que se tornam difíceis de sarar. Afinal, “podemos remexer e introduzir-nos facilmente no seu solo, mas quanto a penetrar na sua alma, isso nunca”.
Ismael Kadaré oferece uma narrativa dupla – e a certo ponto tripla -, que a certa altura se vê tomada por um diário de um soldado de 22 anos que acaba por se revelar, em lume brando, muito mais do que “notas de um sentimental que é ao mesmo tempo um choramingas”, levando o general – e o próprio leitor – a lidar com a vergonha, a culpa, o ressentimento e a vingança, encaixando que na guerra se torna difícil estabelecer uma separação entre “o trágico e o grotesco, o heróico e o entristecedor”.
“O General do Exército Morto” (Sextante, 2020) teve uma versão adaptada para cinema, realizada por Luciano Tovoli em 1983. Na produção franco-italiana, foram protagonistas os actores Marcelo Mastroianni, Anouk Aimée e Michel Piccoli.
Ismael Kadaré nasceu em 1936 em Gjirokastra, no sul da Albânia. Estudou em Tirana e Moscovo e viveu exilado em França entre 1990 e 1999, antes de regressar à Albânia onde reside actualmente. Publicado e traduzido em todo o mundo, foi galardoado em 2005 pela sua obra literária, com o primeiro Man Booker International e, em 2009 e 2015, respectivamente com o Prémio Príncipe das Astúrias e o Prémio Jerusalém. Entre outros romances e obras de poesia, escreveu Três Cantos Fúnebres para o Kosovo, A Ponte dos Três Arcos e As Frias Flores de Abril.
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