Quando terminou “O Fim da Solidão” (Asa, 2019), o quarto romance que lhe custou sete anos de vida – e lhe valeu o Prémio de Literatura da União Europeia -, Benedict Wells disse isto: “Este foi o livro que tive de escrever. Os próximos são os livros que eu quero escrever”.
Escrito como uma catarse, “O Fim da Solidão” é inspirado em factos da vida do autor. Benedict Wells nasceu em Munique no ano de 1984 e, aos seis, frequentava já o seu primeiro – de três – colégio interno. Foi em 2003, ao mudar-se para Berlim, que decidiu dedicar-se à escrita, enquanto se ia sustentando com empregos diversos. O seu romance de estreia, “Becks letzter Sommer” – ainda sem tradução portuguesa -, foi premiado e adaptado ao cinema, mas foi com “O Fim da Solidão” que a consagração chegou, tendo sido já traduzido para 30 línguas.
Se este romance fosse um disco, essa rodela seria certamente “Pink Moon”, de Nick Drake, que parece acompanhar o livro de uma ponta à outra – assim como um certo parentesco literário com “O Coração é um Caçador Solitário”, de Carson McCullers.
“Há muito que conheço a morte. Agora, porém, também ela me conhece”. As palavras são de Jules Moreau, dois dias depois de ter acordado de um coma. Estamos em Setembro de 2014, tempo em que Jules se interroga sobre aquilo que faz uma vida tornar-se aquilo que é. Jules propõe assim dar a conhecer “a catástrofe que assombrou a minha vida”, regressando a 1980 para uma viagem no tempo que começa aos 11 anos, quando os seus pais morrem num acidente de carro. Segue-se a ida para um colégio interno, juntamente com os dois irmãos mais velhos, num fim precoce da infância que o levará, em primeira instância, ao isolamento, num lugar onde “o ar está impregnado de expectativas, de gargalhadas e medo reprimido” e no qual ganhará “medo do escuro, da noite, da eternidade”.
Para Jules, o isolamento vê-se quebrado apenas pelos momentos que passa na companhia de Alva, ouvindo música, lendo, partilhando o silêncio, mas nunca falando deles próprios ou do que os assombra. Alva que, mais tarde, o irá lançar numa demanda quixotesca, procurando resgatar os anos perdidos e regressar ao tempo em que conseguiam “perscrutar o mundo inteiro um do outro”.
A voz de Benedict Wells é única, na forma como nos conta esta história de amor sem puxar pelo melodrama, pelo modo como nos conduz por uma estrada trágica sem nos procurar torcer os olhos em busca de uma lágrima fácil. Aqui encontramos toda a nossa vida, esta que nos calhou em sorte e todas aquelas que ficaram por viver, num tributo à fragilidade humana e às partidas da memória.
Um romance mágico que, entre muitas outras coisas, nos ensina a importância de amar incondicionalmente, de desperdiçar incondicionalmente, de fracassar incondicionalmente, ou que, por muitos desvios que o caminho reserve, é sempre possível voltar a encontrar um rumo. Um dos livros maiores publicados em Portugal em 2019.
Sem Comentários